publicado a: 2014-08-20

Abelhas vigiadas

As abelhas são responsáveis por 70% da polinização dos vegetais consumidos no mundo.

A população de abelhas regista um expressivo declínio em vários países. Em agosto do ano passado, a revista Time trazia na capa um alerta para o risco de desaparecimento das abelhas melíferas, com a chamada “O mundo sem abelhas” e o alerta: “O preço que pagaremos se não descobrirmos o que está a matar as melíferas”. O desaparecimento das fabricantes de mel preocupa não só pela ameaça à existência desse produto, mas também porque as abelhas têm chamado a atenção principalmente pelo importante papel que representam na produção de alimentos. Não é para menos. Elas são responsáveis por 70% da polinização dos vegetais consumidos no mundo ao transportar o pólen de uma flor para outra, que resulta na fecundação das flores. Algumas culturas, como as amêndoas produzidas e exportadas para o mundo inteiro pelos Estados Unidos, dependem exclusivamente desses insetos na polinização e produção de frutos. A maçã, o melão e a castanha-do-pará, para citar alguns exemplos, também são dependentes de polinizadores.

Entre as prováveis causas para o desaparecimento das abelhas estão os componentes químicos presentes nos neonicotinoides, classe de fitofarmacêuticos agrícolas amplamente utilizados no mundo. Além dos pesticidas, outros fatores, como mudanças climáticas com maior ocorrência de eventos extremos, infestação por um ácaro que se alimenta da hemolinfa (correspondente ao sangue de invertebrados) das abelhas, monoculturas que fornecem pouco pólen como milho e trigo e até técnicas para aumentar a produção de mel, podem ser responsáveis pelo fenômeno conhecido como distúrbio de colapso de colónias (CCD, na sigla em inglês), que provoca a desorientação espacial desses insetos e morte fora das colmeias. O distúrbio já provocou a morte de 35% das abelhas criadas em cativeiro nos Estados Unidos.

Na procura por respostas que ajudem a combater o problema, o Instituto Tecnológico Vale (ITV), no Brasil, desenvolveu em colaboração com a Organização de Pesquisa da Comunidade Científica e Industrial (CSIRO), na Austrália, microssensores – pequenos quadrados com 2,5 milímetros de cada lado e peso de 5,4 miligramas –, que são colados no tórax das abelhas da espécie Apis mellifera africanizada (abelhas com ferrão resultantes de variedades europeias e africanas) para avaliação do seu comportamento sob a influência de pesticidas e de eventos climáticos. Uma parte da experiência está sendo conduzida na Austrália e a outra no Brasil.

No estado australiano da Tasmânia, ilha ao sul do continente da Oceania, será feito um estudo comparativo com 10 mil abelhas para avaliar como elas reagem quando expostas a pesticidas. Para isso, duas colmeias foram colocadas em contato com pólen contaminado e outras duas não. “Se for notada qualquer alteração no comportamento dos insetos expostos ao pesticida, como incapacidade de voltar para a colmeia, desorientação ou mesmo morte precoce, o produto passará a ser o principal suspeito do distúrbio de colapso de colónias”, diz o físico Paulo de Souza, coordenador da pesquisa e professor  do ITV. O projeto foi iniciado em setembro do ano passado e seu término está previsto para abril de 2015, com a divulgação dos resultados no segundo semestre. “A principal razão para a escolha da Tasmânia é que se trata de um ambiente distinto, onde não há poluição e metade do território é composto por florestas”, diz Souza, que também é professor da Universidade da Tasmânia.

Como as melíferas australianas pesam em torno de 105 miligramas, o sensor representa cerca de 5% do seu peso. Já as abelhas da mesma espécie que vivem no Brasil pesam cerca de 70 miligramas – o que levou os pesquisadores a fazerem testes em túneis de vento para avaliar se o sensor poderia ter influência sobre a sua capacidade de voo. “Avaliámos o batimento das asas e a inclinação do corpo em abelhas com o sensor e sem ele, e verificámos que não houve alteração na capacidade de voar”, diz Souza.

A parte da experiência que está a ser feita no Brasil tem como foco inicial a monitorização de 400 abelhas durante três meses para avaliar em que medida as mudanças do clima, principalmente a alteração do regime de chuvas na Amazónia, afetam os insetos. “Não sabemos como elas se vão comportar diante das projeções de aumento da temperatura e de alterações no clima devido ao aquecimento global”, diz Souza. 

“Cada sensor tem um código gravado, que funciona como se fosse uma identidade de cada abelha”, diz Souza. Com ele é possível avaliar, em detalhes, todos os indivíduos da colmeia. Concluída essa etapa da pesquisa, um segundo estudo terá início, desta vez com abelhas nativas sem ferrão do Pará, que parecem sofrer mais o impacto da alteração climática do que as europeias. Embora não sejam grandes produtoras de mel, elas são excelentes polinizadores. Como as abelhas têm um ciclo de vida relativamente curto, de cerca de dois meses, será possível acompanhar várias gerações.

Os sensores que estão a ser testados no campo fazem parte de uma primeira geração desenvolvida pelo ITV e CSIRO – e outros já estão a caminho. “Uma das inovações obtidas é a distância de comunicação que conseguimos alcançar, de até 30 centímetros”, ressalta o pesquisador. Isso foi feito com a melhoria da qualidade da antena do chip, o que aumentou a sua capacidade de se comunicar a distância. “A CSIRO desenvolveu o sistema wi-fi (sem fio) e fez a modificação na antena.”

O microssensor é composto por um chip com memória de armazenamento de 500 mil bytes – suficiente para guardar dados a cada segundo por quase uma semana –, uma antena e uma bateria. As informações sobre o movimento das abelhas captadas pelo chip são retransmitidas para antenas instaladas em torno da colmeia e em estações de alimentação, e depois transferidas para um centro de controle. Com os dados coletados no campo, os pesquisadores constroem um modelo tridimensional da movimentação dos insetos que permite saber se eles estão a agir naturalmente ou se, por algum motivo, estão desorientados e não conseguem retornar aos seus locais de origem.

Cada antena custa cerca de US$ 300, o que torna a técnica mais aplicável em comparação com outros dispositivos similares, cujo preço varia em torno de US$ 10 mil. “O próprio chip, de US$ 0,30, é muito mais barato do que os que estão no mercado e são vendidos a US$ 6.” O físico ressalta que, desde o início, eles sempre procuraram um processo que permitisse a produção em escala industrial ao menor preço possível.

A próxima geração de chips, em fase final de desenvolvimento, será capaz de gerar e armazenar a sua própria energia e também de captar a temperatura, umidade e insolação do ambiente. Os planos não param por aqui. “Queremos desenvolver, em quatro anos, um chip do tamanho de um grão de areia para monitorização de mosquitos transmissores da dengue e malária”, diz Souza. Entre as várias estratégias estudadas para a aplicação desse diminuto equipamento, a mais promissora, na avaliação do pesquisador, é lançar um jato de spray sobre os insetos.

Ampliar o raio de ação dos sensores também é uma das metas do projeto. “Queremos chegar a centenas de metros para explorar a plataforma tecnológica futuramente em outras aplicações, como fuselagem de aeronaves, roupas de funcionários em áreas de risco e óculos de monitoramento à exposição ultravioleta”, ressalta. As duas instituições destinaram ao projeto – do qual participam 23 pesquisadores de diversas áreas do conhecimento – US$ 25 milhões para um período de cinco anos.

Fonte: Revista Pesquisa

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