publicado a: 2017-06-27

Plantar uma horta é criar “vacinas contra a poluição”

Ter uma horta biológica, por mais pequena que seja, só traz vantagens, defende o especialista Mariano Bueno. É terapêutico, mais saudável e barato. E está longe de ser uma tarefa difícil.

“Quando comemos alimentos não ingerimos apenas nutrientes, também recebemos informação.” Para Mariano Bueno, especialista em agricultura biológica e autor do livro A Horta-Jardim Biológica, um guia repleto de dicas práticas que acaba de ser editado em Portugal, esta é uma das razões fundamentais para, há mais de 40 anos, fazer a apologia do consumo de produtos biológicos produzidos localmente. Sermos nós próprios a plantá-los é apenas somar vantagens.

É que as plantas reagem ao meio envolvente em que crescem, protegendo-se das agressões a que são sujeitas: calor, frio, chuva, contaminação ambiental. Para sobreviverem, “fabricam polifenóis, substâncias aromáticas, vitaminas e antioxidantes”. “Quando as comemos, não ingerimos apenas os seus nutrientes mas também as substâncias protectoras que sintetizaram”, defende Mariano Bueno. Funcionam, por isso, como “vacinas naturais”, resume o especialista espanhol, que esteve em Portugal para apresentar o seu livro, o primeiro da extensa bibliografia do autor a ser editado em português.

Para o horticultor, esta é uma “vacina natural e específica para a poluição” que estamos a desperdiçar ao comprarmos frutas e legumes cultivados a milhares de quilómetros de distância – que se protegem das agressões desses locais e não daquelas que nos afectam cá – ou quando comemos produtos criados em estufas, “desinfectados, esterilizados, empacotados”. “Não nos vão contaminar, mas também não vão contribuir para a capacidade do sistema imunitário se defender”, defende Mariano Bueno, para quem a industrialização da produção de alimentos está a contribuir para o crescimento de alergias e doenças associadas ao sistema imunitário. “Estamos a perder capacidade de resposta à contaminação ambiental porque comemos alimentos muito artificiais”. Deixamos de ter “informação sobre aquilo que nos rodeia através da alimentação”, acrescenta.

A poluição existente nos centros urbanos não serve, por isso, de desculpa para não se ter uma pequena horta na varanda ou num espaço comunitário. “Se a planta não conseguir defender-se, morre. Se sobreviver é porque criou defesas.” O único efeito colateral é “crescer mais lentamente e produzir em menor quantidade, porque investe muita energia a proteger-se”, indica o especialista. No entanto, são essas mesmas substâncias protectoras que dão aroma e sabor aos alimentos. Já existem até empresas produtoras de tomate em estufa que, na fase final, deixam de regar as plantas para “ficarem stressadas e terem mais sabor”, exemplifica.

Uma pequena horta biológica, exposta aos elementos, “produz menos e é menos rentável, mas é mais nutritiva, saudável e gostosa”, remata. E o tempo utilizado a cultivá-la pode ainda ser terapêutico. Uma forma de estar “em contacto com a natureza, com o ar livre, com a luz”, fazer um algum exercício físico e reduzir o stress do dia-a-dia. Isso significa, então, que deveríamos ser todos pequenos agricultores? “Seria maravilhoso” mas, com cidades tão grandes, seria “muito difícil cultivar localmente todos os alimentos de que necessitamos”, admite Mariano Bueno.

No entanto, nas últimas décadas, “sociedades tão ricas culturalmente como a portuguesa e a espanhola têm-se vendido a modelos de vida puramente norte-americanos, corporativistas, economicistas”, defende o especialista espanhol de 59 anos, vegetariano há 42. “Quando não sabemos de onde vem tudo o que se come, há um desenraizamento social, perdem-se as referências”, reitera. Há que recuar, voltar “a interligar a rede humana que a globalização está a destruir” e a “respeitar os ciclos da natureza”. Um passo de cada vez.

Primeiro, enumera, há que reconhecer “que a alimentação é uma das bases da saúde” e procurar aquilo que, dentro do contexto de cada um, é “mais acessível economicamente e mais fácil de alterar” nos hábitos alimentares. A escolha pode recair na compra de produtos biológicos cultivados nos arredores da localidade onde se reside – apoiando os pequenos produtores e contribuindo para a economia local, ao mesmo tempo que se diminui a pegada ecológica. Ou na criação de uma pequena horta, na varanda ou no quintal.

Manjericão, a “alegria da horta” – e outras dicas úteis

No livro A Horta-Jardim Biológica, editado em Portugal pela ArtePlural Edições, Mariano Bueno e Jesús Arnau revelam inúmeras dicas práticas sobre agricultura biológica, como cultivar em espaços pequenos ou quais as vantagens em ter uma “horta-jardim”. Fundamentalmente: ter um espaço verde que funcione como um “equilíbrio das duas partes do ser humano”, com uma “horta que alimenta o corpo e um jardim que alimenta o espírito”.

Outra das vantagens é aproveitar as “sinergias” que se criam entre algumas plantas e que tornam todo o conjunto mais saudável, viçoso e produtivo. Nesse campo, nenhuma é mais “sociável” que o manjericão. “Estudos científicos comprovam que é anti-depressiva e melhora o humor. Em Espanha, dizemos que é a alegria da horta”. Para a pessoa que a cultiva e para as plantas que o circundam. “Crescem melhor, não há parasitas e tem um aroma muito agradável. É como uma pessoa muito alegre e simpática, que contagia os que a rodeiam”, descreve.

Além disso, a associação entre diferentes espécies hortícolas permite rentabilizar o espaço existente. Por exemplo, ter plantas altas junto ao perímetro do vaso ou do canteiro (como alho, alho francês ou tomateiros) e, ao centro, espécies de porte pequeno e redondo (alfaces, couves, rúcula), intercaladas com espécies de raiz (como as cebolas). Sem esquecer as aromáticas, como o tomilho, a sálvia, o alecrim, que têm propriedades medicinais e ajudam a temperar as refeições.

O essencial, defende, é que “a terra seja negra”, rica em nutrientes, com “muita matéria orgânica, muito composto”. Depois, o ideal é dar-lhe, de vez em quando, uma dose extra de “comida rápida”, mas natural: juntar húmus negro, “produzido pelas minhocas”, a um litro de água, agitar e “regar ou pulverizar directamente nas folhas”.

Quem tem – ou quer ter – uma horta na varanda, precisa ainda de ter em conta a exposição solar. Se o espaço recebe pouca luz, é possível “criar todas as plantas de folha”, como alfaces e couves, mas é melhor esquecer as plantas de fruto, como tomateiros e pimenteiros. “Têm de receber sol directo, senão caem as flores mas não frutificam”, indica. “Outro problema que detectámos quando se cultiva em vaso é o facto de se evaporar muita água por causa do sol. A planta sofre muito e não cresce bem.” Neste caso, a solução passa por instalar rega automática gota-a-gota ou plantar em hidrovasos (que podem ser adquiridos ou construídos a partir de garrafões – o livro ensina como).

E, depois, procurar na cozinha todos os remédios para os males que possam surgir. Na agricultura biológica, diz, há uma regra: “não ponhas nada numa planta que não usasses para temperar uma salada”. Se tem fungos, há que juntar iogurte a um litro de água. Já as pulgas não suportam o picante (é misturar três malaguetas, três dentes de alho e água) e os caracóis o café. As lesmas, pelo contrário, caçam-se (ou afogam-se) com uma doce cerveja (quanto mais adocicada melhor). E uma artesanal, rica em organismos probióticos, ajuda as plantas a desenvolverem defesas e deixa-as logo “mais contentes” (misturada com água, uma vez por mês).

Antigamente, os agricultores eram “muito conservadores”. “Não ousavam fazer grandes alterações ou experiências, porque se corresse mal perdiam toda a colheita e passavam fome.” Hoje em dia, um pequeno desaire numa produção caseira é mais facilmente colmatada, por isso, defende Mariano Bueno, o mais importante é “atrevermo-nos a experimentar”.

Fonte: Público Lifestyle

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