Artigo de Opinião Paulo Pimenta de Castro (Público) - Manifesto desespero das celuloses
Esta semana, vários órgãos de comunicação social publicaram um anúncio intitulado “Manifesto por uma floresta não discriminada – O bode expiatório”. Este anúncio integra a estratégia de vitimização dos sectores económicos centrados no eucalipto, organizados num poderoso lobby nacional.
Se a iniciativa é por uma “floresta não discriminada”, porque não há alusão às espécies autóctones, as que estão na base de sistemas de maior diversidade biológica e são geradoras de maior variedade de produtos e serviços? Ou seja, aquelas espécies cuja contracção de área arrastou para baixo o peso do sector silvo-industrial no PIB e levou à perda de dezenas de milhares de postos de trabalho ao longo das últimas décadas? As espécies autóctones geram paisagem biodiversa, resiliência, que tem impacto de relevo no turismo, decisiva fonte de riqueza para o repovoamento do interior? O sector silvo-industrial vale hoje um décimo do peso no PIB do sector do turismo. Nem todo o turismo é de cidade ou de praia.
Não deixa de ser curioso constatar que a imagem que serve de base a esta publicidade seja um frondoso eucalipto, dos muitos que ornamentam vários espaços ajardinados por este país fora. Com efeito, foi omitida a imagem dos milhões de “paus de fósforo” que invadem o território, muitos deles com mais de três varas por pé e rodeados por uma vertiginosa germinação de pequenos eucaliptos que irromperam após os incêndios de 2017. Estes “paus de fósforo” ocupam hoje quase 10% do território nacional. Portugal detém a maior área relativa de plantações de eucalipto a nível mundial. Este facto é contraditório com a ideia de que há uma “perseguição ao eucalipto”.
Mas, o que parecem deliberadamente omitir os signatários desta iniciativa?
Será o facto de em 2017 ter ardido a maior área de sempre em eucaliptal em Portugal, mais de 127 mil hectares? Pior do que ter ardido é a crescente tendência de envolvimento dos eucaliptais na área ardida total e em povoamentos florestais. Se em 1996, ano de aprovação da Lei de Bases da Floresta, a área ardida em eucaliptal representou 3% da área ardida total e 13% da área ardida em povoamentos florestais, em 2017 os valores foram de 24% e 39%. Já em 2015 os valores atingiram os 17% e 45% e em 2016 os 24% e 50%, respectivamente. Mesmo nas áreas sob gestão das celuloses essa crescente tendência é manifesta. Só entre 2000 e 2017 arderam cerca de 12% da área de eucaliptal na posse das celuloses.
Os signatários parecem ignorar os 700 mil hectares de eucaliptal sob gestão de abandono, ou em regime de investimento de sorte ou azar? Seja por essas plantações serem mistas com pinheiro bravo, seja por já terem passado a idade de corte, por possuírem densidades abaixo do recomendado ou por terem já ultrapassado a terceira rotação (mais de três cortes). Se tem a fama de ser um investimento “rentável”, como se explica esta situação anacrónica? Será essa alegada rentabilidade assente apenas numa gestão ausente ou minimalista?
Será que os signatários ignoram o facto de o mercado da rolaria de eucalipto funcionar dominado por um duopólio industrial, não havendo sequer uma entidade reguladora que assegure uma equilibrada distribuição da riqueza ao longo desta fileira? O rendimento impacta na gestão e esta na contenção do risco.
Será que os signatários pretendem omitir o facto de, face ao impacto exponencial das pragas e doenças nos eucaliptais, estarem a ser disseminadas em Portugal espécies exóticas de parasitóides? Quantos conhecem o Avetianella longoi, o Anaphes nitens, o Anaphes inexpectatus e o Cleruchoides noackae?
Nos incêndios rurais (e na proliferação de pragas e de doenças), os eucaliptais são o único problema que o país enfrenta? Obviamente, não. Mas estão na base de um imparável alastramento de risco pelo território, a par de outras espécies invasoras também australianas, sobretudo face ao avanço das alterações climáticas. Esta epidemia ocorre sob um modelo de investimento de casino, impulsionado por um poderoso lobby que contamina as decisões políticas nas últimas décadas.
Resta apenas perguntar quem pagou o manifesto, seguramente a preço de ouro, para pôr publicidade paga nos principais jornais do país, em dias sucessivos. A força do lobby, no desespero, tenta substituir-se ao debate público (e científico) despejando euros para se legitimar com uma narrativa pobre, suportada em mitos e meias verdades.
Artigo de Opinião no "Público" da autoria de Paulo Pimenta de Castro (Engenheiro Silvicultor)