Goji, um novo desafio
Faço parte dos chamados novos rurais. Tirei o curso de Eng. Florestal mas nunca trabalhei na área e passei 20 anos em Lisboa onde o único contacto que tive com a agricultura foi o combate às lesmas e às ervas daninhas no canteiro do meu quintal.
Pouco depois de ter regressado ao litoral alentejano, onde cresci, propuseram-me avançar com um projeto agrícola. A minha primeira reação foi de incredulidade: “– Mas eu não percebo nada de agricultura!”.
Depois comecei a pensar que a alternativa era passar o resto da minha vida à frente de um computador. E porque não? Eu tinha algumas bases e até tinha um armário cheio de livros que podiam ser úteis. Só não tinha experiência nenhuma mas isso era apenas um pormenor…
O primeiro desafio foi encontrar um terreno com as características pretendidas: captação de água e área cultivável de tamanho razoável. Numa zona dominada pelos sobreiros e por pequenas hortas, não foi fácil mas conseguimos.
Depois seguiu-se a escolha da cultura, embora já tivéssemos decidido que o que quer que optássemos por produzir, seria em Modo de Produção Biológico. Falámos com muita gente, ouvimos muitas opiniões e fomos a muitos workshops até que nos sugeriram as bagas goji. Tudo o que eu sabia sobre elas é que vinham da China e que eram consideradas um super alimento.
Pesquisei muito e quanto mais pensava sobre o assunto, mais viável me parecia. Era uma planta robusta que não exigia muita manutenção nem conhecimentos técnicos; as características do terreno eram adequadas; o mercado europeu mostrava-se altamente favorável a estas bagas cultivadas na europa em Biológico, o oposto das condições com que são cultivadas na China.
Contratámos uma empresa para fazer a candidatura, porque o processo burocrático é de levar qualquer um à loucura. Seguiu-se a entediante fase da preparar a candidatura, obter os orçamentos necessários e esperar, esperar muito.
Em outubro passado, finalmente aprovaram-nos o projeto. Estava mesmo a acontecer, tinha chegado a altura de as ideias saírem do papel e passarem à prática. De repente, o livro de fertilização do Professor Quelhas dos Santos passou a estar permanentemente na minha mesa-de-cabeceira.
Esta foi a altura das análises aos solos, à água, decisões sobre operações culturais, métodos de fertilização e muita leitura. Nesta fase, a internet e principalmente o Agrozapp, foram fundamentais. Ler sobre outras experiências, mesmo de culturas diferentes, ajudam a ter e a consolidar ideias. Tivemos também a sorte de encontrar o João, da Quinta dos Mochos, que já tendo um pomar de goji instalado, nos passou a preciosa informação dos erros por ele cometidos, o que nos deu a possibilidade de cometermos os nossos, sem perigo de repetições.
Em resumo, foram tomadas muitas decisões, todas elas muitos pensadas embora provavelmente nem todas as mais acertadas, mas o pomar de goji foi instalado e as plantas crescem a cada dia.
Em retrospetiva, penso que toda a ansiedade e as noites mal dormidas valeram a pena. Foram superados muitos desafios, mas inúmeros outros ainda nos esperam. Acredito no entanto que, para cada novo problema, serão encontradas soluções, algumas inovadoras, outras baseadas em conhecimentos tão antigos quanto a própria agricultura.
Estou convencida de que é esta capacidade de abraçar os saberes ancestrais sem perder de vista as mais recentes técnicas de cultivo que caracteriza esta nova vaga de agricultores, que desafiando-se a si próprios, já começaram a transformar a agricultura em Portugal.
Melanie Baptista