Portugal contradiz-se e vota pela diminuição do estatuto de conservação de lobo
Contrariando o próprio sentido de voto anunciado há apenas duas semanas, o Governo português posicionou-se hoje a favor da diminuição do estatuto europeu de proteção do lobo. Sem qualquer explicação aparente, esta decisão envia um sinal negativo e preocupa ONGs e cidadãos por toda a Europa que temem que este desfecho possa abrir um precedente à desregulação da conservação, proteção e restauro da biodiversidade na União Europeia.
Em dezembro de 2023, a presidente da Comissão Europeia apresentou uma proposta para diminuir o estatuto de proteção do lobo. Nos meses que se seguiram, Portugal posicionou-se sempre, e bem, contra a redução da proteção. Hoje, sem que nada o fizesse prever, alterou o seu sentido de voto, abrindo um precedente e dando um passo muito perigoso ao contribuir para a desproteção da biodiversidade.
Em declarações ao jornal Expresso, a Ministra do Ambiente e Energia justificou este voto alegando que, em Portugal, não haverá qualquer redução do estatuto desta espécie e as medidas aprovadas não serão aplicadas no território nacional, dado haver legislação específica nacional de proteção desta espécie. No entanto, é difícil acreditar que Portugal conseguirá resistir à pressão para flexibilizar as suas normas ambientais, especialmente depois de outros países começarem a fazê-lo. Além disso, não é possível garantir uma população saudável e estável se a proteção legal a esta espécie estiver restrita a um único território. Recorde-se que o lobo ibérico, subespécie do lobo cinzento, ocorre tanto em Portugal como em Espanha. Finalmente, a aprovação desta proposta abre a porta a que o mesmo aconteça para outras espécies protegidas que ocorrem em território da UE.
Atualmente, não existe base científica para apoiar uma alteração a nível da UE da legislação atual. A recuperação do lobo ainda está em curso e os principais objetivos da Convenção de Berna e da Diretiva Habitats (ou seja, assegurar o restabelecimento e a conservação de espécies ameaçadas) ainda não foram alcançados. Além disso, e tal como confirmado na análise aprofundada da própria Comissão, não existem provas científicas de que o abate reduz efetivamente os ataques aos animais de criação. Ou seja, embora o objetivo da proposta que está a ser discutida seja aparentemente reduzir os conflitos entre o lobo e as comunidades rurais, as evidências científicas demonstram a ineficácia do abate para o conseguir. De facto, pode até ser contraproducente e aumentar os ataques a animais de criação, uma vez que corre o risco de perturbar a estrutura social das alcateias.
Portugal, que sempre defendeu pautar o seu sentido de voto pelo conhecimento científico disponível, cede agora à pressão de países como a Alemanha, que estão por sua vez a ceder a pressões políticas e de grupos de agricultores e caçadores por toda a União Europeia.
Para Bianca Mattos, Coordenadora de Políticas da ANPlWWF, “a proposta da Comissão surge numa altura em que estão a ser feitos esforços para conseguir a coexistência entre as comunidades locais e as populações de lobos.” E acrescenta que “na última década, a UE e os seus Estados-Membros investiram muito tempo e recursos para melhorar a coexistência. Estes esforços são facilitados por várias plataformas regionais e da UE e por projetos bem-sucedidos financiados pelo programa LIFE que demonstram soluções mutuamente benéficas a curto e a longo prazo. A proposta de reduzir a proteção do lobo põe em causa todos esses esforços e investimentos. Será um desvio do objetivo da UE de alcançar uma coexistência harmoniosa entre humanos e grandes carnívoros.”
Nos últimos meses, mais de 300 000 europeus, entre os quais cerca de 45 000 portugueses, pediram à União Europeia que assegure que qualquer alteração no estatuto de proteção do lobo seja fundamentada em dados rigorosos, em vez de cederem a pressões políticas, promovendo a coexistência entre lobos e seres humanos, fortalecendo medidas preventivas como o uso de cercas e cães pastores e tornando essas soluções mais acessíveis aos agricultores, entre outras medidas.
A ANPlWWF lamenta profundamente o voto do governo português nesta matéria, ignorando todos os dados científicos, o apelo dos cidadãos portugueses e de 300 organizações europeias para manter o nível de proteção do lobo e todos os esforços pela manutenção desta espécie em Portugal, em convivência harmoniosa com as populações – os esforços deveriam ser pelo reforço de medidas que permitam a coexistência entre espécies e não pela desregulação do abate de espécies.
"É importante destacar não só a incoerência entre o que a Ministra Maria da Graça Carvalho defendeu há apenas duas semanas e o sentido de voto adotado por Portugal hoje, mas também o facto de que Portugal se tinha posicionado claramente contra a redução do estatuto de proteção do lobo desde a apresentação da proposta em dezembro de 2023. Este desfecho é particularmente grave, pois não coloca apenas a Ministra em contradição, mas compromete, acima de tudo, a coerência e a credibilidade do país no palco europeu. A mudança de posição de Portugal enfraquece a confiança numa expectável e desejável postura de defesa da biodiversidade e de confiança na ciência como base das decisões políticas tomadas pelo Ministério do Ambiente e Energia", conclui Bianca Mattos.
A decisão de enfraquecer a proteção do lobo compromete gravemente a credibilidade da União Europeia como líder na conservação da biodiversidade, especialmente a poucas semanas da COP16 da Convenção da Biodiversidade. A proposta será agora formalmente adotada na próxima reunião do Conselho da UE, a 26 de setembro, a tempo de a Comissão Europeia a submeter ao Comité Permanente da Convenção de Berna. A UE apoiará a proposta como um bloco unificado para a última votação, agendada para dezembro.
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