Pode a Agricultura Biológica Alimentar o Mundo?
O facto é que, hoje, 800 milhões de pessoas estão subnutridas e muitas morrem apesar da chamada "Revolução Verde" e da tremenda utilização de agroquímicos nestes últimos 40 anos. As indústrias químicas e outras - maquinaria, construção, indústria petrolífera - que tanto enriqueceram durante este período, asseguraram-nos que os adubos, pesticidas e outros produtos fitossanitários acabariam com a fome mundial. Não há muito tempo que Henry Kissinger ainda prometia acabar com este flagelo em 10 anos.
O problema da fome não se resolve com receitas tecnológicas. Até o próprio Banco Mundial, que deu um grande impulso à "Revolução Verde", reconhece que o problema é de partilha, de acesso à terra e às sementes, e não de escassez. Mas a verdadeira causa da fome é que há muitas pessoas que não têm onde produzir os seus alimentos, nem têm dinheiro para comprá-los. Na realidade, a produção de alimentos a nível mundial é superior às necessidades e para bastantes países o problema é de superprodução. Todos os anos são queimadas ou enterradas milhões de toneladas de frutas, hortaliças, cereais e outros alimentos por questões de especulação de mercado (entre outros motivos, pois custa mais caro armazená-los ou transportá-los).
Por todo o mundo, somos muitos os que trabalham para que chegue o dia em que a extensão da Agricultura Biológica faça dos pesticidas e dos fertilizantes de síntese uma coisa do passado.
Nos anos sessenta e setenta, os agricultores biológicos eram tidos como loucos ou, pelo menos, como sonhadores. Mas, hoje, muitos sonhos tornaram-se realidade. O desenvolvimento da Agricultura Biológica é um triunfo das pessoas comuns. É uma prova de que não são só os grandes industriais e os governos a mudar as coisas impor-tantes. Sem campanhas publicitárias, sem subvenções nem apoios, contra a opinião da maioria dos especialistas e dos funcionários, e apesar dos abusos do grande negócio agro-alimentar, a Agricultura Biológica teve de ser reconhecida a todos os níveis, desde o plano sanitário ao energético. Este é o poder dos cidadãos enquanto consumidores, e é possível graças à lógica evidente da proposta biológica.
Novas ameaças que impedem o seu desenvolvimento
O movimento biológico, em conjunto com os ecologistas e outros grupos cívicos, encara hoje mais um grave problema: a manipulação genética, que multiplica os problemas dos pesticidas já existentes e nos leva para uma nova dimensão de risco global. Na sua propaganda, assistimos às mesmas promessas não cumpridas de acabar com a fome no mundo quando a agroquímica foi introduzida em larga escala.
Por várias razões, devemos rejeitar a manipulação genética: é perigosa e absolutamente desnecessária para a produção e elaboração de alimentos, e além disso não é económica (o que não significa que as grandes multinacionais não aufiram daí grandes benefícios).Tem ainda menos sentido no caso da produção biológica e, sem grandes complicações, as multinacionais tentaram a autorização desta tecnologia nos Estados Unidos pelas normas biológicas.
Outra manipulação é a promoção de tipos de agricultura "menos agressiva", como a Protecção Integrada ou "agriculturas sustentáveis", que confundem o consumidor com denominações que não se referem a características objectivas e, ao mesmo tempo, apresentam falsas alternativas para continuar a utilizar (segundo dizem, racionalmente) pesticidas, adubos e todo o tipo de produtos de síntese, de manipulação genética, etc.
A Agricultura Biológica ganha terreno
Na Alemanha, onde estão sediadas algumas das maiores multinacionais da agroquímica, e com as pressões que isso implica, existem actualmente mais de 8.000 agricultores biológicos. No estado de Mecklemburg-Vorpomern, 10% da terra já se cultiva em Agricultura Biológica. Outros governos regionais propuseram-se alcançar também esses 10%, a curto prazo. Não obstante, com apenas 2% do total em produção biológica, a Alemanha perdeu os lugares da frente que manteve durante anos.
Alguns países vizinhos conheceram um verdadeiro boom. Na Suíça, 7% do total da agricultura é biológica e em algumas zonas, como Graubünden, a maior região do país, alcança-se os 30%.
A Áustria tem mais de 20.000 agricultores biológicos, cerca de 10% do total. A Suécia e a Finlândia ultrapassaram as percentagens da Suíça e aproximam-se agora da Áustria. E as últimas cifras vindas de Itália indicam 18.000 agricultores biológicos em fase de conversão.
A Espanha passou de 4.235 ha em 1991 para 152.100 em 1997. Em apenas 7 anos, a superfície dedicada às culturas biológicas aumentou 35 vezes.
Também nos países do Sul está a haver um importante crescimento. Um projecto de produção biológica de algodão que começou há três anos, no Uganda, com apenas duzentos agricultores, inclui hoje mais de 7.000. No México, 10.000 camponeses produzem café biológico para exportação, assim como outros produtos biológicos para consumo local. A cooperativa mexicana UCIRI coordena cerca de 7.000 agricultores em mais de 30 povoados, o que significa a conversão de toda a zona à Agricultura Biológica.
Em Cuba, temos o exemplo de como um país inteiro pode proporcionar à sua população uma alimentação de confiança, seguindo os métodos da Agricultura Biológica. Com o bloqueio dos Estados Unidos e a queda da URSS, o governo viu-se obrigado a optar por uma agricultura de auto-suficiência. Iniciou-se na prática da Agricultura Biológica, tendo este país, actualmente, quase 2 milhões de hectares em produção biológica, tanto como o conjunto dos países europeus.
O boom biológico no mercado
O desenvolvimento do mercado e a procura por parte dos consumidores são paralelos ao rápido aumento da conversão ao método biológico. O mercado nos Estados Unidos é da ordem dos 3 biliões de dólares, prevendo-se a sua duplicação nos próximos dois ou três anos. Na Alemanha, todo o sector de alimentos para crianças encontra-se já em conversão ao biológico. Em Munique, mais de 30% do pão é elaborado com ingredientes biológicos certificados.
Na Dinamarca, a Agricultura Biológica pode atingir os 100% no ano 2010. O governo dinamarquês iniciou um estudo de viabilidade da Agricultura Biológica, considerando também aspectos legais, laborais, económicos, sanitários e agronómicos. O grupo de especialistas que levará a cabo este trabalho terá apresentado as suas conclusões até ao final de 1998.
É surpreendente como, inclusivamente num país como o Egipto, a produção biológica assume já tanta importância. O projecto SEKEM, que emprega cerca de 1.000 pessoas, distribui produtos biodinâmicos a 6.000 farmácias e a 1.200 estabelecimentos. Num país de amantes de chá, aquele que é mais vendido é de produção biológica.
Este crescimento não é um luxo dos países desenvolvidos. Os mercados locais de produtos biológicos estão também a instalar-se em países do Terceiro Mundo. Neste contexto, é de extrema importância a cooperação entre a Agricultura Biológica e o movimento por um comércio justo.
O sector biológico é um dos que revela maior crescimento a nível mundial no que refere à alimentação. Alguns analistas de mercado, como o professor Ulrich Hamm calculam taxas de crescimento anual de 20 a 30% e inclusivamente de 50% em alguns países. O maior distribuidor de produtos biológicos do Reino Unido espera que os actuais 11 biliões em que se calcula o comércio mundial destes produtos alcance os 100 biliões nos próximos 10 anos, sendo os Estados Unidos e Japão os países com maior crescimento.
Fonte: Naturlink