publicado a: 2017-09-04

A febre do tomate

E, de um ano para o outro, o tomate passou a ser tema de conversa entre agricultores, gente que come com inteligência e cozinheiros. Até já temos um concurso de tomate Coração de Boi do Douro. Que revolução é esta?

Negro da Crimeia, Zebra, Stupice, German Pink, Purple Calabash, Green Sausage, Yellow Oxheart ou Red Fig são apenas algumas das variantes de tomate já à venda em Portugal e que fazem parte de um conjunto que se aproxima das 650 variedades a nível mundial. No país habituado ao tomate redondo, ao chucha, ao cherry e ao rei que leva o nome de coração-de-boi, estamos perante uma pequena revolução alimentar.

Temos tomate mais doce ou mais ácido, mais rijo ou menos firme, mais intenso ou mais neutro, mais aromático ou inodoro, mais adequado a saladas, a sopas frias, a assados, a compotas ou a perdurar seco no Inverno. Vermelhos, verdes, amarelos, roxos, azuis, castanhos, pretos, pintados ou riscados. Cilíndricos, ovais, hexagonais, imitando limões, bananas ou pimentos. Haja imaginação.

Se este fruto dá, no Verão, um ambiente festivo aos mercados de rua, registe-se que quem começou a revolução foi Maria José Macedo, da Quinta do Poial, em Azeitão. Foi ela que importou sementes de várias partes do mundo, espantando depois os clientes que passavam aos sábados de manhã pelo Jardim do Príncipe Real, em Lisboa, e deliciando os mais importantes chefes do país.

Como o sucesso era garantido, agricultores de bancadas próximas ora compravam-lhe tomate para obtenção de sementes ora mandavam-nas vir do estrangeiro. Hoje, não há banca de agricultura biológica que dispense esses tomates exóticos.

Esta tendência tem sido acompanhada com a popularização do tomate coração-de-boi em Portugal. Tal variedade, que os russos dizem ser invenção sua, é exaltada pelos maluquinhos do tomate por ter intensidade de sabor, textura firme e aveludada, níveis de doçura consideráveis e poucas sementes. Na gíria, uma fatia de coração-de-boi "é um bife".

Como não será surpresa, eu incluo-me no tal grupo dos maluquinhos do tomate. Durante um ou dois anos juntava-me, em Vila Real, a dois amigos afectados pela mesma patologia: Celeste Pereira, responsável da empresa Green Grape, e Abílio Tavares da Silva, homem que, ligado ao universo do vinho do Douro (Foz Torto), criou uma nova onda em torno deste tomate.

Durante almoços fazíamos exercícios de prova cega para perceber que melhor tomate estaria em cima da mesa. Invariavelmente ganhava o tomate do Abílio. A fama espalhou-se de tal forma que o tomate do Abílio (o fruto nunca é mencionado no singular, claro) passou a ser famoso dentro e fora da região.

Cansados desse domínio, surgiu a ideia de, em 2016, fazer-se um concurso alargado a outros produtores, num exercício que tinha tanto de informal como de rigor analítico, tendo sido criado um painel de provadores e a respectiva ficha de avaliação.

Foi tal a adesão de produtores que, este ano, no passado dia 18 de Agosto, Francisco Pavão (especialista em azeites), Vítor Sobral, Miguel Castro Silva, Leopoldo Calhau, Pedro Cardoso (chefes), Luís Soares Duarte (enólogo), Jorge Raiado (Salmarim), Ana Paula Silva (professora universitária da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro) e José Augusto Moreira, jornalista do Público, juntaram-se de novo para avaliar tomate de 21 produtores durienses, numa iniciativa que, no restaurante Cozinha da Clara (Quinta de La Rosa), contou com uma dissertação da investigadora já referida sobre os processos culturais do tomate em geral e do coração-de-boi em particular.

Contas feitas, no final da festa o melhor tomate foi o da Quinta Coisas da Leira (Vila Real), seguido da Quinta do Vallado e da Quinta do Passadouro, tendo o júri concluído que, em geral, a qualidade do tomate deste ano foi superior à do ano anterior - cortesia do ano climático quente.

Mas, e como bem sublinhou José Augusto Moreira, o grande vencedor do concurso foi o coração-de-boi em si. Aquilo que é uma reunião informal e festiva entre produtores (mas ainda assim rigorosa) tem como objectivo promover um produto de excelência, os hortelões que dele cuidam e toda a riqueza agrícola e cultural do Douro.

Se o Douro é, de facto, um terroir específico para o coração-de-boi, isso, como diz Ana Paula Silva, carece de investigação. E o concurso pode ser o início desse processo. Enquanto tal não acontece, recomendamos aos fanáticos de tomate uma viagem urgente ao Douro. Nada como provar o fruto "in loco".

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