A instalação do pomar de figueira-da-índia
Utilização de recursos genéticos locais ou clones melhorados?
Introdução
A figueira-da-índia (Opuntia ficus-indica) é uma espécie da família Cactaceae com centro de domesticação localizado no México (Griffith, 2004). Foi introduzida na Península Ibérica entre o final do século XV e o início do século XVI, local onde se encontra naturalizada (Barbera et al., 1992). É uma espécie com várias adaptações morfológicas, anatómicas e fisiológicas (ex. metabolismo fotossintético CAM) que permitem uma elevada eficiência de utilização da água. A figueira-da-índia cresce bem em condições semiáridas e representa uma cultura alternativa para algumas zonas do Mediterrâneo. Com efeito, simulações com modelos globais e regionais projetam um cenário de aquecimento com impactos severos nesta região (Guiot e Cramer, 2016).
A figueira-da-índia tem várias utilizações, nomeadamente na produção de fruto, forragem e óleo (que é extraído da semente), entre outras. O fruto tem características organolépticas e antioxidantes que o diferenciam, as últimas resultando principalmente da composição em ácido ascórbico, compostos fenólicos e pigmentos do tipo betalaínas (betaxantinas e betacianinas).
No presente artigo, pretende-se divulgar os resultados de um estudo cujo objetivo foi o de perceber o desempenho agronómico de populações portuguesas de figueira-da-índia, comparativamente com clones italianos melhorados, nos primeiros anos após a plantação.
Materiais e métodos
Na primavera de 2012 foi realizada a colheita de cladódios de 16 populações portuguesas de figueira-da-índia (Figura 1 e Tabela 1). Os cladódios foram plantados num campo de ensaio, localizado na Escola Superior Agrária de Castelo Branco (ESACB), num solo marginal. O delineamento experimental foi blocos completos casualizados, com três repetições, e foram estudadas 15 plantas por população. Foi utilizado um compasso apertado (1,5 × 2,5 m), o que corresponde à densidade de 2667 plantas ha-1. Plantas das cultivares italianas Bianca e Gialla foram incluídas para comparação. No segundo e terceiros anos após a plantação foi avaliado o número de frutos por planta, a produção de fruto por planta e a distribuição dos frutos por duas classes de peso. Foram desenvolvidos modelos lineares para estimar, de forma não destrutiva, a produção de biomassa, com quantificação do número de cladódios por planta, área de cladódios, peso verde e peso seco. Adicionalmente foram estudados alguns aspetos relativos à composição química do fruto. Em amostras de 10 frutos, com três repetições (n=30), foram determinados os seguintes parâmetros: pH, acidez (% de ácido cítrico), pH, sólidos solúveis totais (%), ácido ascórbico (mg 100g-1 peso fresco), compostos fenólicos totais (mg GAE 100 g-1 peso fresco) e concentração de betalaínas (betaxantinas e betacianinas, mg L-1).
Resultados e discussão
Na tabela 1 apresentam-se alguns dados morfológicos relativos às populações estudadas. Com exceção da população OFI-04, as populações possuem frutos de polpa branca ou frutos de polpa laranja. Nas populações com frutos de polpa branca, os cladódios são elípticos, com um número intermédio de espinhos e as flores têm cor vermelha. Nas populações com frutos de polpa laranja, os cladódios são ovalados, com um número reduzido de espinhos e as flores têm cor amarela.
Foram encontradas diferenças significativas entre as populações estudadas para os parâmetros relacionados com a produção de biomassa (Tabela 2). No segundo ano após a plantação, o valor mais elevado de produção de biomassa foi registado na cultivar Gialla, 3,9 t ha-1 de peso seco, para uma densidade de 2667 plantas ha-1. Quatro populações portuguesas (OFI-05, OFI-12, OFI-13 e OFI-14) destacaram-se das restantes com um valor médio de 3,2 t ha–1 de peso seco, valor que não difere significativamente da cultivar Gialla.
No que se refere ao número de frutos e produção de frutos por planta, foram encontradas, também, diferenças significativas entre populações, no segundo e terceiro anos após a plantação (Fig. 2). As cultivares italianas Gialla e Bianca apresentaram os valores mais elevados para a produção no terceiro ano após a plantação, respetivamente 5,2 e 5,1 kg de frutos por planta (Fig. 2), o que corresponde a 13,8 e 13,6 t ha-1 de peso fresco. No mesmo período, a produção nas populações portuguesas variou entre 0,9 (OFI-03) e 3,8 kg por planta (OFI-08), respetivamente 2,4 e 10,1 t ha-1 de peso fresco. Contudo, apesar de a OFI-08 ser a população portuguesa com maior produção de frutos por planta, estes apresentam baixo calibre e 77 % tem peso inferior a 80 g (Fig. 3). A cultivar Gialla e o grupo de populações com frutos de polpa laranja (OFI-05, OFI-13, OFI-14 e OFI-12) produziram frutos de maior calibre comparativamente com a cultivar Bianca e as populações portuguesas de polpa branca (Fig. 3). Além disso, os frutos de polpa laranja apresentaram maior peso, maior percentagem de polpa e menor percentagem de sementes, comparativamente com os de polpa branca (Fig. 4).
No que se refere à composição do fruto, verificaram-se valores superiores a 13% para os sólidos solúveis totais, baixa acidez (0,05-0,07 % de ácido cítrico), concentração de ácido ascórbico entre 18 e 34,4 mg 100-1 g de peso fresco e concentração de compostos fenólicos entre 617 e 981 mg GAE kg-1 de peso fresco (Tabela 3). A menor concentração de betalaínas foi observada nas populações de polpa branca. Os frutos de polpa laranja apresentam elevada concentração de betaxantinas e baixa concentração de betacianinas.
Conclusões
A cultivar Gialla superiorizou-se relativamente às populações portuguesas no que se refere ao número de frutos, produção de frutos por planta e calibre do fruto. No grupo das populações portuguesas as mais interessantes são as populações de polpa laranja OFI-05, OFI-12 e OFI-13. Na instalação de pomares ordenados de O. ficus-indica para produção de fruto é muito importante realizar uma escolha cuidadosa do material vegetal que irá ser plantado. Tal, juntamente com a utilização de técnicas culturais adequadas, nomeadamente fertilização, rega, poda e monda de frutos, permitirá obter não só uma elevada produção, como também frutos com calibre adequado para comercialização.
Os produtores de figo-da-índia enfrentam desafios difíceis associados a uma cultura em fase de desenvolvimento, nomeadamente o estabelecimento de associações de produtores com dinamismo e a comercialização e escoamento de um fruto ainda pouco conhecido entre potenciais consumidores. É importante prosseguir com ações de divulgação, sensibilizando os consumidores para o valor organolético e antioxidante do figo-da-índia e produtos derivados.
Referências bibliográficas
Barbera, G., Carimi, F. & Inglese, P. (1992). Past and present role of the Indian-fig pricklypear (Opuntia ficus-Indica (L.) Miller, Cactaceae) in the agriculture of Sicily. Economic Botany, 46, 10–20.
Griffith, M.P. (2004). The origins of an important cactus crop, Opuntia ficus-indica (Cactaceae): New molecular evidence. American Journal of Botany, 91(11), 1915–1921.
Guiot, J. & Cramer, W. (2016). Climate change: the 2015 Paris agreement thresholds and Mediterranean basin ecosystems. Science, 354 (6311), 465-468.
Um artigo de:
Carlos Manuel Gaspar dos Reis1,2,3, Maria Margarida Ribeiro1,2,3,4
1Instituto Politécnico de Castelo Branco, Escola Superior Agrária (IPCB/ESA)
2Centro de Biotecnologia de Plantas da Beira Interior (CBPBI)
3Centro de Estudos de Recursos Naturais, Ambiente e Sociedade (CERNAS)
4Centro de Estudos Florestais (CEF)