Biológico, vale mesmo a pena?
Os produtos biológicos explodiram e levaram à criação de empresas de milhões que já em 2019 contam multiplicar por 10 o volume de negócios. O mercado que nasceu da venda direta, do porta-a-porta, dos cabazes ao domicílio, do online, já provou que está aí para ficar. Costuma comprar biológicos? Sabe como identificar um produto biológico? E já pensou se vale a pena comprar mais caro?
De uma economia paralela, de nicho, o mercado dos biológicos duplicou na última década. Em 2017, só na Europa, o mercado dos orgânicos bateu os 34,3 mil milhões de euros e já representa 37% do mercado mundial.
E a tendência é para crescer, ao ritmo das exigências dos consumidores. Prova de que, como na democracia, quem manda é o povo, neste caso, a clientela.
COMO É QUE PRODUTOS MAIS CAROS CRESCEM COMO COGUMELOS?
Chegam a ser 150% mais caros do que os produtos convencionais, mas os biológicos já provaram ser a exceção que confirma a regra: o preço não é a única matriz a ditar o mercado. Mas a lei da procura sim.
A economia que cresceu sozinha, sem gigantescas campanhas de publicidade ou complicados planos de marketing, provou que quem manda é o consumidor, que também consegue vergar o mercado.
Impulsionado por um punhado de agricultores de discurso radical, fervorosos ambientalistas e consumidores exigentes, o mercado dos biológicos foi fazendo caminho. Começou de mansinho, sem se dar muito por isso e, alimentado pelo medo das doenças e dos químicos que invadiram o mundo moderno, mudou o mercado. Para sempre.
Hoje, o mercado que era dos radicais, dos ambientalistas, dos freaks e dos doentes conquistou as grandes marcas, que já abrem zonas diferenciadas e lojas especializadas.
A economia que nasceu das micro e pequenas empresas (78% dos produtores biológicos têm 10 ou menos trabalhadores e 88% só produz bio) começa agora a ganhar dimensão.
Já em 2019, uma marca francesa de produtos biológicos, a JusteBio, anuncia a entrada no mercado português para implementar o granel orgânico em 100 lojas, através de investimento de 100 mil euros para alcançar vendas de um milhão de euros, ainda este ano.
A empresa que começou com 4,5 milhões de euros de volume de negócios em 2014 passou para 49 milhões de euros em 2018. Mais de 10 vezes mais em apenas quatro anos.
E em 2019 a empresa acredita que vai faturar 75 milhões de euros em França, Portugal, Bélgica, Suíça e Luxemburgo.
Este é apenas um exemplo do crescimento exponencial que o mercado dos biológicos assistiu em pouco mais de uma década.
Em Portugal praticamente todas as grandes superfícies têm zonas destacadas ou lojas especializadas em biológicos.
"TODOS TÊM INTERESSE EM PRODUZIR OU VENDER BIOLÓGICOS"
A Agrobio, a primeira associação de Agricultura Biológica, fundada em 1985, acompanhou de perto a evolução do mercado em Portugal. O presidente Jaime Ferreira explica que as grandes marcas também já estão rendidas ao mercado que deixou de ser nicho para ser um negócio de milhões.
"Todos têm interesse em produzir ou vender biológicos", disse numa entrevista à SIC Notícias.
50% DOS BIOLÓGICOS TÊM DE SER IMPORTADOS
Para responder à procura, Portugal, como toda a UE, importa cerca de 50% dos produtos de agricultura biológica que consome. Com uma superfície agrícola de 270 mil hectares exclusivos aos biológicos, o Governo e o mercado já perceberam que há aqui uma janela de oportunidade e a aposta está feita.
“É tempo de perceber que o mercado está ansioso de ter este tipo de produção e a indústria também percebeu que tem aqui um nicho”, referiu Miguel Freitas em declarações à Lusa, durante uma sessão pública sobre a Estratégia Nacional para a Agricultura Biológica em Idanha-a-Nova.
Nos últimos 15 anos a área agrícola reservada aos biológicos cresceu 20 vezes em Portugal. Em 2017 representava 7% da área cultivada, quase metade da média da UE que, entre 2014 e 2015, crescia cerca de 12% ao ano.
MERCADO DO LUMIAR: O PRIMEIRO BIOLÓGICO DE RAIZ
Um dos mercados mais antigos de Lisboa viu-se forçado a renovar para fazer face à falta de clientes.
Em 2018 reabriu de cara lavada como o primeiro mercado municipal com as várias valências Bio: frescos, mercearia, restaurante, padaria e até uma zona grossista inteiramente Bio.
“TEMOS DE SABER IDENTIFICAR O QUE É UM PRODUTO BIOLÓGICO”
Como ter a certeza de que se está a consumir um produto biológico? Jaime Ferreira, presidente da Agrobio, explica que há um "sistema de controlo e de certificação", que começa logo quando o agricultor se instala. Garante ainda que "o sistema está a funcionar". Basta o consumidor estar atento.
Desde 2007 que a agricultura biológica está identificada e regulamentada na UE mas, no resto do mundo, há referências diferentes.
No Brasil e nos países de língua inglesa é mais conhecida por “agricultura orgânica”; na vizinha Espanha ou na Dinamarca por “agricultura ecológica” e do outro lado do mundo, no Japão, por “agricultura natural”.
Na União Europeia há apenas um símbolo oficial com diferentes tonalidades e referências.
Saiba aqui como reconhecer os selos da agricultura biológica:
A FISCALIZAÇÃO DOS BIOLÓGICOS
Ao contrário da economia convencional - que pode ser fiscalizada apenas no produto final, os biológicos não podem sequer começar a ser produzidos se não estiverem certificados logo na produção. E mesmo os transformados têm de ter certificação da matéria-prima.
A Direção-Geral de Agricultura e Desenvolvimento Rural concentra quase todo o processo em Portugal. É a entidade responsável pela transposição das diretrizes europeias e garante a implementação e fiscalização da produção biológica - desde o pedido para análise dos locais de cultivo à atribuição de licenças. Pode inclusive, em caso de suspeita, fiscalizar e retirar licenças de produção biológicas.
A ASAE, a Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica, é a entidade responsável por controlar os produtos nos pontos de venda, mas até lá tem de passar pelo crivo de uma série de agentes responsáveis pela certificação da produção: Direção-geral do Ambiente (analisa a qualidade do solo), Direcção-Geral da Agricultura (regula questões de mercado), por exemplo.
Há cerca de dois anos a ASAE criou finalmente um plano de controlo específico para avaliar e certificar o BIO.
O processo de certificação nasceu com a Agrobio, a associação independente criada em 1985, e acabou por ser a primeira e única certificadora do país, na altura sobretudo para guiar os agricultores e ajudar à produção.
Hoje já há 11 organismos de controlo independentes (que também são auditados) e certificados pelo Instituto Português da Acreditação e da Certificação (IPAC).
PESTICIDAS: É MESMO POSSÍVEL GARANTIR QUE BIOLÓGICOS NÃO TÊM QUÍMICOS?
Sem pesticidas sim, mas sem contaminação não.
Os biológicos não são produzidos em ilhas e, por isso, estão sujeitos à poluição atmosférica ou ambiental tais como os lençóis freáticos ou a qualidade dos solos.
A legislação europeia de Agricultura Biológica inclui apenas uma lista restrita de pesticidas de origem natural: mineral, vegetal, animal ou microbiana, sem perigo para o ambiente e a saúde.
A produção biológica não pode usar pesticidas, mas tem outras armas para combater pragas ou prevenir ou combater doenças.
Isto faz-se desde logo na escolha das sementes (variedades resistentes a pragas e/ou doenças) mas também com a rotação dos cultivos (pousio), conjugação de espécies ou delimitação natural das culturas ou até a luta biológica como atrativos alimentares e/ou sexuais, o uso de feromonas para impedir o acasalamento de pragas (confusão sexual), métodos que não fazem qualquer recurso à aplicação de pesticidas.
Quando nada funciona a agricultura biológica pode ainda recorrer a produtos fitofarmacêuticos de origem mineral, vegetal, animal ou microbiana, mas em número reduzido e de impacto ambiental, toxicológico e ecotoxicológico mínimo ou nulo.
ESTUDO MOSTRA QUE PORTUGUESES PREFEREM BIOLÓGICOS MAS IGNORAM PESTICIDAS
Quase dois terços dos portugueses preferem consumir somente alimentos biológicos, mas apenas um quinto diz saber que a agricultura biológica também utiliza produtos fitofarmacêuticos ou pesticidas, concluiu um estudo realizado pelo Centro de Estudos Aplicados da Católica-Lisbon, School of Business & Economics em parceria com a Associação Nacional para a Indústria da Proteção das Plantas (ANIPLA) com o objetivo de saber mais sobre o conhecimento da população portuguesa relativamente à realidade da produção de alimentos.
Numa entrevista à Edição da Manhã, da SIC Notícias, Ricardo Reis, diretor do centro de Estudos Aplicados da Universidade Católica, diz que ainda há muita falta de informação sobre o uso de "pesticidas" nos biológicos e defende que "estes produtos funcionam como medicamentos”.
“A FRAUDE NA AGRICULTURA BIO NÃO VAI ALÉM DOS 4%”
Jaime Ferreira, da Agrobio, aponta a desconfiança dos consumidores como um dos maiores obstáculos à agricultura biológica. Publicações que põem em causa a quantidade de pesticidas nos produtos biológicos contribuíram para essa insegurança, mas o presidente da Agrobio prefere destacar as estatísticas da União Europeia que registaram entre 3% a 4% de fraude nos orgânicos. Sobretudo, porque assegura que a fiscalização é apertada.
Além disso, acrescenta ainda que "há uma estratégia para a agricultura biológica e que vai ser criado um portal que mostra as empresas certificadas e as que prevaricaram".
TUDO COMEÇA E ACABA NA TERRA
Até 2030 a produção alimentar terá de aumentar 70% para colmatar o crescimento da população mundial.
A pressão sobre a economia é também uma bomba relógio para o ambiente e a agricultura do futuro volta-se para o sustentável: local, sazonal e bio.
Em Portugal já se pensa na criação de uma BIO Região, uma espécie de DOP - denominação de origem protegida para os biológicos. Idanha-a-Nova está na vanguarda do projeto, de base local e à semelhança (ainda que noutra proporção) do que já se faz noutros países.
A Dinamarca quer romper com todos os limites e criar uma agricultura totalmente biológica até 2020, após 25 anos de leis duras de proteção da natureza. O projeto não está só no papel como está em marcha numa estratégia do atual Governo para fornecer às escolas, cantinas e hospitais, pelo menos, 60% de alimentos de origem biológica.
Noventa e sete por cento dos dinamarqueses reconhecem o significado e a importância dos biológicos e defendem que num futuro próximo apenas nasçam apenas produtos orgânicos neste país nórdico.
VÁRIOS ESTUDOS DEMONSTRAM VANTAGENS DOS BIOLÓGICOS
Vários estudos recentes demonstram os efeitos dos químicos usados nos alimentos na saúde humana e já há médicos que recomendam dietas biológicas para determinados tipos de cancro.
Um outro estudo conclui que os produtos biológicos são bons para o ambiente, mas a vantagem nutritiva ainda está por provar.
"Temos boa evidência científica, que são produtos mais amigos do ambiente, mas do ponto de vista exclusivamente nutricional ainda não há muita informação que prove uma grande diferença entre os produtos da agricultura tradicional e da agricultura de produção biológica", afirmou o especialista em nutrição Pedro Graça e diretor da Faculdade de Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto.
Para o presidente da Associação Portuguesa de Agricultura Biológica (Agrobio), Jaime Ferreira, "a questão dos nutrientes é muito redutora".
"Eu posso tomar um comprimido com todos os nutrientes que hoje achamos suficientes para ser saudável e resolvia o assunto, só que sabemos que não é assim", disse.
Um outro estudo ainda refere que a produção industrial de alimentos vai matar cinco milhões até 2050.
MELHOR DO QUE O QUE TÊM, É O QUE NÃO TÊM
Grande parte das substâncias químicas usadas na alimentação são corantes e intensificadores de sabor, precisamente para dissimular os produtos produzidos de forma artificial. Cor e sabor só se conseguem respeitando os ciclos da natureza, o que leva tempo.
Está provado que o organismo humano tem necessidades diferenciadas ao logo do ano e da vida, com correspondência com o que produz a natureza em cada época do ano. Quem não sabe que deve comer laranjas no inverno (sabendo que também há laranjeiras de primavera) ou que os morangos sabem a verão. E já provou melão no inverno?
Biológicos ou não, o mais importante é consumir produtos da época, no pico da maturação, da qualidade e da quantidade. O mais natural possível, respeitando a natureza, inclusive a humana. E o melhor? É mais barato.