Biopesticidas vão ter um centro de investigação no Alentejo
Há uma espécie de mosca-da-fruta (a Drosophila suzukii) que ataca frutos vermelhos e pêras em Portugal. Veio do Sudeste asiático para a Europa e América do Norte durante este século e não há pesticidas que a consigam combater. Só no ano em que foi descoberta na Califórnia causou perdas de 500 milhões de euros. Ainda não existem dados para Portugal, onde chegou em 2012, mas está a ser criada de uma rede de investigadores que lhe quer fazer frente. Chama-se Inovação em Protecção de Plantas (InnovPlantProtect) e o pontapé de saída foi dado esta terça-feira em Elvas. É lá, na Estação Nacional de Melhoramento de Plantas do Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV), que vai ficar instalada.
O arranque foi dado na manhã desta terça-feira durante as comemorações do Dia do Agricultor no Centro de Negócios Transfronteiriço, em Elvas. Nessa cerimónia, estiveram nomes ligados à agricultura, à ciência e a Elvas: o ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Luís Capoulas Santos; o reitor Universidade Nova de Lisboa, João Sàágua; o presidente do INIAV, Nuno Canada; e o presidente da Câmara Municipal de Elvas, Nuno Mocinha. E assinou-se o protocolo de cooperação entre o INIAV e a câmara municipal, para que parte das instalações da estação do INIAV sejam cedidas à câmara municipal e se iniciem as obras no espaço onde ficará o laboratório da rede de investigadores.
E porquê um centro para novos biopesticidas? “Cada vez há uma maior preocupação com a sustentabilidade actual dos pesticidas. Alguns estão mesmo a ser retirados do mercado”, avisa Isabel Rocha, pró-reitora da Universidade Nova de Lisboa e responsável pela parte de negócio do projecto. “Prevê-se que se retirássemos os pesticidas do mercado, como está em causa na Europa, haverá uma perda de 50% da azeitona.” E salienta a questão das alterações climáticas, que têm levado a que pestes e doenças estejam a migrar de outras zonas do planeta para Portugal.
“Será um centro de investigação para tentarmos desenvolver estratégias de base biológica para proteger as plantas de doenças”, diz Margarida Oliveira, investigadora do Instituto de Tecnologia Química e Biológica (ITQB), em Oeiras, e coordenadora científica do projecto.
Espera-se que nesse laboratório se criem dois tipos de biopesticidas: uns baseados em ácidos nucleicos e outros em proteínas. “A ideia é que os químicos têm efeitos no ecossistema. As proteínas e os ácidos nucleicos vão ser mais direccionados para o alvo que queremos eliminar”, explica Isabel Rocha. Pretende-se ainda fazer a selecção de resistências a pragas; construir novas formulações para aplicações agrícolas; criar novos métodos de diagnóstico e despistagem da emergência e disseminação de pragas e doenças; e fazer a gestão e análise de metadados para a identificação de alvos e solução, assim como a análise e modulação de risco de pragas e doenças.
Cultura mediterrânica é o alvo
“As culturas de relevância mediterrânica serão o nosso foco, o que não quer dizer que seja só para a área mediterrânica”, diz Isabel Rocha. “O foco são essas culturas por uma questão de localização, mas também porque estão vulneráveis ao aquecimento global.” E ainda há outro problema: “A vinha tem uma série de doenças já conhecidas, em grande parte provocadas por fungos, para os quais existem pesticidas que são aplicados pelos agricultores. O problema que se coloca é que esses compostos, usados quase no dia-a-dia pelos agricultores, estão em risco de ser retirados do mercado.” E acrescenta: “A União Europeia tem estado a fazer uma análise bastante rigorosa do impacto ambiental dos pesticidas e dos herbicidas, tem retirado alguns e serão retirados mais durante os próximos anos. De um de um dia para o outro, os agricultores podem não ter forma de combater pragas e doenças que afectam as culturas.”
Um outro exemplo é a proibição pela União Europeia do uso ao ar livre de insecticidas danosos para as abelhas. Em Abril, foram proibidas três substâncias prejudiciais para as abelhas conhecidas como neonicotinóides. “Ainda não existe uma alternativa tão eficaz como os neonicotinóides para proteger as sementes de pequenos insectos, que as destroem, e há estudos que prevêem um impacto de milhares de milhões de euros de prejuízo”, refere Isabel Rocha. “No InnovPlantProtect pretendemos desenvolver alternativas ambientalmente sustentáveis a estes e outros compostos.”
Este projecto é candidato a financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT, tutelada pelo Ministério da Ciência) como laboratório colaborativo, ou seja, como associação privada sem fins lucrativos. “Será um laboratório colaborativo quando a FCT lhe conceder esse selo. Vamos ver se o temos”, salienta Margarida Oliveira. O projecto tem já como membros fundadores a Universidade Nova de Lisboa, o INIAV, o Centro de Biotecnologia Agrícola e Agro-Alimentar do Alentejo (Cebal), a Câmara Municipal de Elvas, várias associações ligadas à agricultura, a empresa Fertiprado e as multinacionais Bayer CropScience e Syngenta. “São empresas que têm muitos compostos tradicionais no mercado e estão preocupadas com o facto de alguns serem proibidos e não haver alternativas”, diz Isabel Rocha.
Prevê-se que o orçamento dos dois primeiros anos seja de cerca de dois milhões de euros, juntando fundos públicos e das entidades fundadoras. Ao fim de cinco anos, espera-se que o orçamento chegue aos seis milhões de euros.
Espera-se que este laboratório colaborativo seja formalizado até ao Verão. Depois, abrir-se-á uma candidatura internacional para o seu director. “Prevê-se que, ao fim de cinco anos, quando ficar em pleno funcionamento, terá 50 pessoas [investigadores e técnicos, que trabalharão exclusivamente em Elvas]”, informa Isabel Rocha.
E quando começará a funcionar? “O nosso objectivo é que em 2019, no primeiro semestre, possamos estar a arrancar”, responde Isabel Rocha. Nuno Mocinha partilha da mesma ideia: “Creio que num ano conseguiremos ter uma parte do laboratório em funcionamento.” Até porque, segundo o autarca, só traz vantagens a Elvas: “Por um lado, continua a potenciar a Estação Nacional de Melhoramento de Plantas e atrai para Elvas cerca de 50 investigadores, ou seja, massa crítica para um território de baixa densidade e do interior. Por outro lado, coloca a inovação no nosso território e dinamiza a economia local.”