publicado a: 2018-07-09

Clima e pombo-torcaz deixam agricultores madeirenses nervosos

Os agricultores em São Vicente, na Madeira estão apreensivos com a mais que certa quebra de produção que vão registar na cultura vitivinícola. O tempo frio, a chuva dos últimos dias associado a uma amplitude térmica pouco favorável não tem ajudado ao desenvolvimento dos cachos. Já há quem estime um decréscimo de 40% comparativamente a 2017. Mas o problema da vinha não é o único que deixa os viticultores pensativos. Lamentam a razia que estão a ter, por exemplo, na cultura das couves. Apontam o dedo ao pombo-torcaz como principal responsável pelos estragos que estão a registar. E se pudessem, não era só chumbo que atiravam.

António João é apenas um dos vários agricultores que deitam as mãos à cabeça quando entra num dos seus poios. “Veja isto”, exclama em sinal de desespero. “Tudo comido”, reage, colhendo nesse instante uma planta sem folhas, sobrando apenas o troço: “Só restou isto”, observa num tom esmorecido. Mais à frente o cenário ainda era pior. “Venha, venha, não tenha medo de sujar os sapatos”, exclama.

Meia-dúzia de passos adiante solta um grito: “Puhhhhh... normalmente é assim, o ladrão nunca rouba quando a polícia está por perto”, sentencia, explicando que neste caso o ladrão é o pombo-trocaz. “Ainda há pouco, antes de cá chegar, voavam em bando. Até parece que gozam da cara de uma pessoa”, expressa ainda mais desolado.

“Plantei mais de 300 pés. Sabe quantos restam? Zero! Comeram tudo”, afirma, sentando num muro que ladeia o caminho que separa a sua propriedade. À sombra, que o sol das três da tarde aperta em São Vicente –“por acaso hoje está quente, mas nos últimos dias não tem aparecido, o que é mau para a vinha” – considera que chamar a guarda para matar os pombos não chega.

Bala só não chega

“De que serve?! Eles chegam cá matam um, dois e vão embora. Ou autorizam que matemos ou que deixem a gente deitar veneno”, opina, ciente que a ‘receita’ será mais eficaz. “O que não pode continuar é a gente produzir para que comam tudo e a gente ficar sem nada”.

Pelo meio, António João fala dos filhos emigrados em Inglaterra e do trabalho que têm no aeroporto de Gatwick e do investimento que fez na agricultura. “Foram para lá porque não tinham trabalho aqui. Eu também trabalhei mais de 20 anos lá e o que poupei, algum dinheiro, decidi aplicar naquilo que sabia fazer, mas já vi que foi um erro”, atesta.

Compara os custos e os factores de produção e o retorno que obtém: “Não vale a pena! Está tudo caro! Faço isto para me entreter e porque não gosto de ver a terra por cultivar, mas depois de mim não sei... os meus filhos não querem saber. Têm os seus trabalhos e não vão querer vir para trabalhar a terra”.

Quebra de 40% na vinha

Se as couves já eram, a vinha regista uma perda significativa: “Calculo que menos uns 35 a 40%”, estima fazendo rapidamente as contas por alto a um resultado que será idêntico aos vizinhos. “Aqui todos reclamam que este ano será pior. Muito pior”, garante.

Ali perto, Fernando Pereira sem que tivesse oportunidade de escutar o diálogo do conterrâneo confirma que a sua produção “está mais fraca”. Um pouco mais tímido que António João, acredita que o clima foi causador de um prenúncio que confirmar-se-á na altura da vindima: “Só quando vindimarmos é que vamos saber, mas estará longe da produção do ano passado, isso é certo”, confirma consciente que a sua experiência de mais seis décadas o deixará ficar mal.

“Oxalá estivesse errado mas não me parece”, adianta. Prosseguindo: “Sabe para quem vai ser bom? Para as casas e para o governo que não vai ter de comprar muito ou gastar para compensar o excesso que houve”, tentando rematar a conversa. “Pergunte a outro... vai ver o que lhe dizem”, dando por encerrado o tema que não lhe é particularmente simpático.o

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