Desperdício alimentar: “Não existe falta de alimentos, existe é uma péssima distribuição”
No Dia Mundial da Alimentação (16 de outubro), a Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar organizou um encontro para dar conta da evolução das 14 medidas de combate ao desperdício alimentar aprovadas no início deste ano no âmbito da estratégia nacional de promoção do aproveitamento de alimentos.
O evento reuniu alguns dos órgãos envolvidos nesta ‘Estratégia Nacional e Plano de Ação de Combate ao Desperdício Alimentar’, nomeadamente representantes do setor agrícola, da agroindústria e da grande distribuição.
Combate ao desperdício alimentar: realidade ou intenção?
Graça Mariano, Subdiretora-Geral de Alimentação e Veterinária e membro desta comissão, aproveitou a ocasião para anunciar que esta estratégia irá, para já, traduzir-se na criação de um selo de certificação de produtos de origem sustentável, assim como num prémio de excelência, cujo regulamento está em fase de desenvolvimento, para distinção de projetos inovadores de combate ao desperdício alimentar.
Deolinda Silva, Diretora Executiva da Portugal Foods, que também integra esta comissão, lembrou que no que ao desperdício alimentar diz respeito, “a inovação tem um papel fulcral”. “Nem todas as empresas têm capacidade de inovação, mas podem beneficiar de plataformas colaborativas como esta [Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar]”.
Pedro Queiroz, Diretor-Geral da FIPA, por sua vez, defendeu que mais do que inovação, é preciso apostar na formação de todos os elos da cadeia de abastecimento. “Há coisas muito simples que se podem fazer e que não implicam inovação. Sem consolidação de boas práticas não vale a pena pensar em inovação. Os operadores económicos devem estabelecer boas práticas, como já acontece em matéria de segurança alimentar. Do lado dos resíduos, aí sim, há um papel importante da inovação, em matérias como conversão de resíduos em subprodutos (…) A cooperação tem que estar no centro do debate. Não existe falta de alimentos, existe é uma péssima distribuição.”
O representante da agroindústria nacional revelou ainda que apenas 20% dos portugueses vê o prazo de validade dos alimentos que compra e que só 5% lê o rótulo dos alimentos, o que “mostra que existe muito trabalho de literacia por fazer”. Para além disso aponta o dedo à grande distribuição, referindo que a atividade promocional dos retalhistas pode estar a levar muitos consumidores a desperdiçarem alimentos. “O consumidor, atraído por momentos de produção, comete erros como levar dezenas de embalagens de iogurtes para casa, que depois são desperdiçados, por múltiplas razões”.
Gonçalo Lobo Xavier, Diretor-Geral da APED, defendeu o setor, referindo que apesar de ser comum culpar a grande distribuição, “o retalho é responsável por apenas 5% do desperdício alimentar”, com 42% do desperdício com origem no consumidor final.
“Há, de facto, um papel que a distribuição pode ter e tem, no sentido de sensibilizar as pessoas para o desperdício alimentar e, na cadeia alimentar, para que não sejam desperdiçados alimentos que temos à venda nas nossas insígnias. Não deverá ser espanto para ninguém que o retalho em Portugal tenha cooperado, nos últimos anos, com mais de 600 IPSS de todo o país no sentido de distribuir alimentos (…) É preciso, sobretudo, apostar na educação.”
A APED aproveitou ainda o evento para anunciar a assinatura de um protocolo com a Comissão Nacional de Combate ao Desperdício Alimentar em que se compromete a dar o seu contributo. O Diretor-Geral da APED não quis revelar que medidas constam no acordo, mas avançou que os associados da organização irão procurar “promover as boas práticas” e “apostar em campanhas de sensibilização nos próximos anos para os consumidores”. Para além disso, garantiu que será feito “um esforço de monitorização e partilha de dados sobre o desperdício alimentar e ineficiências” existentes no setor.
Luís Capoulas Santos, ministro da Agricultura, fez o encerramento do encontro e defendeu que “a alimentação é um dos principais desafios das próximas décadas, a par de questões como as alterações climáticas, e nunca é demais repetir os números que todos conhecemos sobre quantos alimentos é necessário produzir nas próximas décadas para alimentar as mais de 2 mil milhões de bocas que entretanto teremos a mais no planeta”.
Recentemente, a Organização de Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) revelou que a produção alimentar global terá que aumentar cerca de 70% se a população mundial atingir os 9 mil milhões em 2050, de acordo com o previsto.
O responsável pela pasta da agricultura explicou que são a desafios como este “que temos que dar resposta em diferentes planos, apoiando e participando nas iniciativas, seja das Nações Unidas ou de outras instituições internacionais, no plano europeu, dando exequibilidade às normativas e regras, seja na produção ou na distribuição de alimentos”.