publicado a: 2018-10-08

Drones e robôs já são habituais nas vinhas para ajudar a aperfeiçoar a qualidade

A tecnologia não substitui a arte, mas ajuda. E cada vez mais as grandes empresas recorrem à agricultura de precisão, para produzir mais e melhor, poupando o ambiente

Mais do que a mecanização, que já é quase banal em muitas explorações, é a agricultura de precisão que constitui a nova grande aposta no agroalimentar. A vitivinicultura não é exceção. Drones, robôs, câmaras de infravermelhos, leituras de NDVI (índice de vegetação por diferença normalizada), mapas de PCD (plan cell density), as siglas são imensas e tomaram conta das vinhas. E até os meros tratores têm hoje GPS, computador de bordo e ar condicionado. Uma forma de contornar a cada vez mais aguda falta de mão-de-obra no setor, mas, sobretudo, de tirar partido da tecnologia para melhorar a quantidade e a qualidade das uvas e dos vinhos. Com a época de vindimas em pleno, o Dinheiro Vivo foi saber como está a tecnologia a mudar a vitivinicultura em Portugal.

Aveleda usa drones no controlo da vinha

A Aveleda, a maior empresa da Região dos Vinhos Verdes, começou o ano passado a estudar o tema da agricultura de precisão aplicada à viticultura e, este ano, já o aplicou recorrendo a drones para fazer a leitura PCD (plan cell density) das suas áreas, que consiste numa fotografia aérea que revela padrões cromáticos das vinhas, permitindo perceber diferentes estados de vigor, de teor de azoto ou necessidade de água dentro de cada parcela. Consegue, assim, planear de forma mais precisa o momento de vindima consoante o estado de maturação das videiras, entre outras opções. O objetivo é conseguir “mostos mais homogéneos”, explica o diretor de viticultura da empresa, Pedro Barbosa. A Aveleda contrata os drones para dois voos anuais, usando a informação obtida para os trabalhos de fertilidade do solo e para a vindima. A tecnologia é da espanhola Hemav e a Aveleda contrata-a à Agrointel, unidade de negócios da Bodegas Martin Codax, que presta serviços de teledeteção para a implementação da viticultura de precisão na Galiza e no Norte de Portugal.

“Com quase 400 hectares só na Região dos Vinhos Verdes é irreal acharmos que vamos conhecer as vinhas todas. Assim conseguimos determinar a datas apropriadas para vindimar áreas distintas de cada parcela que, a olho nu, nos parecem todas igualmente verdinhas e esperamos obter mostos mais homogéneos”, diz Pedro Barbosa, admitindo que, um dia, a empresa gostaria de alargar este serviço aos seus fornecedores de uva. A Aveleda vindima, anualmente, cerca de 2,2 milhões de quilos das suas quintas e compra mais oito ou nove milhões de quilos a 1200 fornecedores distintos.

A falta de mão-de-obra que, garante, “se está a tornar um problema grave”, tem levado a empresa a apostar crescentemente na mecanização da colheita da uva nos Verdes. Mas para os vinhos topo de gama, a vindima ainda é feita à mão, de forma seletiva e arrefecendo as uvas numa câmara de frio. “É mais lenta, mais dispendiosa, mas garante-nos o supremo de qualidade”, frisa Pedro Barbosa. Refira-se que a vindima mecanizada é feita à noite, de modo a aproveitar as temperaturas mais frescas, o que traz um “apport qualitativo brutal”.

O próximo passo, na Aveleda, é tentar automatizar outras tarefas que não aportam valor, como o corte de ervas. Até ao final do ano, a empresa pretende ter um minitrator autónomo, que está a ser desenvolvido pelo INESC TEC.

RoMoVi, o robô para as vinhas de encosta

Se mecanizar a agricultura já é um enorme desafio no Douro, o que dizer da vontade de avançar com a automatização inteligente nas vinhas de encosta? É essa linha de trabalho que o INESC TEC tem vindo a trabalhar, desde 2014, em parceria com a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e que levou ao desenvolvimento da linha AgRob, pequenos robôs para o setor agrícola e florestal, capazes de executar tarefas diversas desde a monitorização da vinha a operações como a pulverização, poda ou colheita seletiva.

O protótipo, cuja tecnologia foi validada na Quinta do Seixo, da Sogrape, vai agora dar lugar ao produto final e há já um consórcio, que inclui a portuguesa Tekever, a tomadora da tecnologia, e a ADVID – Associação de Desenvolvimento da Viticultura Duriense, que irá desenvolver a versão comercial: o RoMoVi (Robot Modular e Cooperativo para Vinhas de encosta), que só chegará ao mercado lá para 2020. O objetivo é aumentar a eficiência da atividade agrícola, contribuindo para uma maior sustentabilidade, na medida em que os tratamentos passarão a ser aplicados em função das reais necessidades da vinha, explica Filipe Neves dos Santos.

Gran Cruz planeia vindima mecânica

A Gran Cruz, o maior exportador de vinho do Porto, investiu, em 2014, naquela que é, provavelmente, a “adega com mais tecnologia do país”, mas que serve essencialmente “para respeitar a integridade da matéria-prima”, diz o diretor-geral da empresa, Jorge Dias. Basta ter em conta que na dita adega, em Alijó, resultado de um investimento de 20 milhões de euros, há uma triagem diferenciada das uvas em quatro momentos distintos. Na última, a seleção é feita “bago a bago com uma câmara de alta definição” que permite que “só bagos imaculados” passem para a cuba. O que é extraordinário se tivermos em conta que esta adega processa 40 toneladas de uvas ao dia.

Quatro anos depois, Jorge Dias diz-se “satisfeitíssimo” com os resultados. No entanto, lembra que “a tecnologia por si só não faz nada, é preciso conhecimento e paixão, o que se aplica quer na adega, quer na vinha”. A Gran Cruz tem 200 hectares de vinha na Quinta de Ventozelo, e aí recorre aos infravermelhos e à tecnologia NDVI (índice de vegetação por diferença normalizada) para, mediante as cartas de vigor das plantas, afinar a colheita e fazer “lotes mais homogéneos e equilibrados”. Para o próximo ano espera já ter um pequeno avião telecomandado. Também em 2019 quer começar a experimentar a vindima mecânica, porque “o problema da mão-de-obra está a ser dramático”, diz Jorge Dias.

Além disso, a Gran Cruz está apostada em desenvolver sistemas de rega inteligente, um projeto em parceria com a UTAD, que candidatou a fundos comunitários, mas que não foi aprovado. Uma linha de investigação que irá ser novamente submetida. Na prática, o projeto prevê a instalação de um conjunto de microestações metereológicas dispersas pela vinha, com largas dezenas de sensores, e que permitirão fazer uma rega inteligente. “Quem quiser fazer uma rega com bases científicas tem que ter ferramentas deste tipo para ser eficaz”, garante o diretor geral da empresa. O objetivo é dar àgua às plantas em função das necessidades, ou seja, quando o stress hídrico em que estão já provoca uma diminuição da qualidade das uvas.

Taylor’s constroi patamares a laser

Na Fladgate Partnership, dona da Taylor’s, a mão-de-obra “não é um problema”, diz o responsável de enologia. Com 350 hectares de vinhas no Douro, distribuídos por 11 quintas, o grupo conta todos os anos com cerca de 400 trabalhadores para as vindimas. “O que está a mudar é que as pessoas tradicionalmente vinham do mundo rural e, agora, vêm cada vez mais do mundo urbano e não estão tão habituadas a este trabalho”, explica David Guimaraens.

A aposta da Fladgate vai no sentido de, quer na vinha, quer na adega, “ir buscar o melhor dos dois mundos” para diminuir a “penosidade do trabalho”. Mas não só. No início do milénio, o grupo desenvolveu “um modelo de viticultura sustentável” para a região, distinguido, em 2009, com o prémio BES Biodiversidade, assente na construção de patamares estreitos, só com uma linha de vinha, em vez dos patamares largos, de 3,5 metros de largura e duas linhas de videiras, que surgiram na década de 80, como forma de permitir a mecanização nas íngremes encostas durienses.

Uma solução desenvolvida ao abrigo do Projeto de Desenvolvimento Integrado de Trás-os-Montes (PDRITM), que se revelou “desastrosa”, criando “graves desequilíbrios ecológicos”, quer pelo efeito de erosão dos solos, quer por obrigar ao “uso massivo de herbicidas”. A mudança para patamares de 1,5 metros de largura e para uma linha de videiras parece um pormenor, mas permite, por exemplo, o corte de ervas no talude por via mecânica, ou seja com trator, o que diminui em mais de 70% o uso de herbicidas.

Para resolver o problema da erosão, a Fladgate recorre à tecnologia laser instalada no próprio bulldozer para construir estes patamares com uma inclinação longitudinal de 3% que permite conduzir as águas da chuva até um ponto de drenagem. “A inovação na viticultura não é passar um trator para sulfatar, é reconverter as vinhas assegurando a sustentabilidade económica, qualitativa, ambiental e paisagística de uma região que é património mundial da humanidade”, sublinha David Guimaraens.

Dos 350 hectares de vinhas do grupo, há ainda cerca de 32% que estão plantadas no sistema de patamares largos do PDRITM. Mas David garante que a Fladgate “vem fazendo um enorme esforço para converter esta vinha tradicional em vinha sustentável” através de um plano de replantação de vinhas que abarca seis a oito hectares todos os anos. “A renovação de vinha é cara, na ordem dos 40 mil euros por hectare. Preferimos fazer menos e bem”, frisa.

Também nas adegas a tecnologia vai evoluindo. Líder de mercado nas categorias especiais, a Fladgate manteve a sua aposta nos lagares tradicionais e na pisa a pé, “o método perfeito para fazer um Vintage”, em cinco das suas adegas, embora comece a complementá-la com a pisa mecânica na parte final do processo de fermentação. Já para a restante gama dos seus vinhos dispõe de duas modernas adegas totalmente mecanizadas e onde recebe as uvas dos mais de 70 viticultores profissionais com que trabalha. É o caso da adega da Nogueira, em São João da Pesqueira, uma das mais avançadas da região e onde dispõe de 32 cubas de fermentação, de tamanhos diferenciados, equipados com sistema de pistões mecânicos que trabalham de forma assimétrica de acordo com um ciclo que é personalizado pelo responsável da adega, Joana Furriel, para cada lote individual.

Esporão e os tratores com gps e computador de bordo

No Alentejo a mecanização é simples, atendendo ao tipo de terreno, mas, nem por isso, o Esporão pretende usá-la de forma indiscriminada. Pelo contrário. O diretor agrícola garante que a empresa usa a “toda a tecnologia disponível no conhecimento e na análise crítica da atividade”, mas que, no que diz respeito aos recursos humanos, o objetivo é manter as pessoas, “formando-as e adaptando-as à nova realidade”.

Não admira. Com 115 trabalhadores a tempo inteiro, na área agrícola, o Esporão é “o maior empregador da região” e, por isso, assume a sua “grande preocupação social”. “Uma máquina de vindimar equivale a 40 pessoas. Só temos uma e nem sempre a usamos”, garante. Mas não falta tecnologia no Esporão, desde o recurso aos drones para o mapa de vigor da vinha com infravermelhos (NDVI), aos tratores com GPS e computador de bordo, a empresa faz a aplicação diferenciada de fertilizantes e dos tratamentos fitossanitários em função das necessidades das plantas. É bom para a economia da empresa e o ambiente agradece.

VinBot, o robô do Instituto Superior de Agronomia

Também o Instituto Superior de Agronomia (ISA) tem vindo a trabalhar, já desde 2014, no desenvolvimento de um robô, o VinBot (All Terrain VINyard RoBOT), que pretende aumentar a qualidade da produção de vinho através da agricultura de precisão. Um projeto europeu, que terminou em janeiro de 2017, e que permitiu o desenvolvimento de um protótipo, mas que “precisa, ainda, de modificações para poder vir a ser um equipamento comercial”, explica Carlos Lopes, líder da equipa do ISA. Os testes de validação decorreram nas vinhas da Cooperativa Agrícola da Granja.

O ISA está, agora, a preparar a candidatura para “conseguir os meios financeiros necessário para introduzir as melhorias” necessárias a uma versão comercial, designadamente “o melhoramente da aderência ao terreno, de modo a que possa trabalhar em terrenos mais íngremes”. O robô está equipado com sensores e uma câmara RGD que mede as distâncias com um laser e permite reconstruir tridimensionalmente a quantidade de folhagem de uma vinha para prever a produção de uvas, de modo a “assegurar uma melhor programação das vindimas, das necessidades de cubas e outras máquinas e, até, para poder estabelecer o preço das uvas”, diz Carlos Lopes. Além disso, e porque se trata de uma plataforma móvel, será possível “inserir outros sensores para registo de outros parâmetros vegetativos e fisiológicos que permitirão melhorar a produção e a qualidade das uvas”, frisa.

Sogrape: Maximizar a quantidade e a qualidade com uso mínimo de recursos

Tecnologia espacial e de deteção remota, espectro-radiometria e termografia aéreas, sensores meteorológicos, geolocalização e sistemas de informação geográfica ou medição linear e angular com laser são algumas das tecnologias de “uso corrente” na Sogrape, o maior grupo vitivinícola nacional. Adicionalmente, destaca António Graça, responsável de I&D da Sogrape Vinhos, o conhecimento cada vez melhor sobre o funcionamento metabólico da videira, as variações induzidas pela sua diversidade genética natural, a biologia das pragas e pestes que a afetam, a modelização do funcionamento do clima, o conhecimento dos solos e do seu funcionamento, a modelização tridimensional das encostas, os contributos da biodiversidade e dos serviços de ecossistema “têm permitido um impacto significativo na forma como se gerem as operações na cultura”.

E quais são os ganhos? Uma “melhor rentabilidade”, por via da redução de custos “desnecessários” e um aumento da aptidão potencial das uvas para a produção de vinhos de qualidade que podem ser vendidos no mercado com “maiores margens comerciais”. Com estas tecnologias, o gestor da exploração vitícola “utiliza o mínimo possível dos recursos necessários (mão-de-obra, combustível, consumíveis na vinha, água, etc.) para obter o máximo efeito possível ao nível da quantidade produzida e da qualidade da produção”, sublinha António Graça. Que exemplifica com a utilização de sensores meteorológicos que asseguram previsões meteorológicas centradas na própria vinha, o que permite “evitar tratamentos de proteção das plantas antes de uma chuva forte a qual, lavando o produto aplicado, iria acarretar a sua perda, a necessidade de realização de um novo tratamento e o aumento da quantidade de substâncias químicas dispersas no ambiente”.

VineScout, robô europeu testado nas vinhas da Symington

Em agosto esteve novamente em testes na Quinta do Ataíde, do grupo Symington, no Douro, o VineScout, projeto das universidades espanholas Politécnica de Valência e de La Rioja, da francesa Wall-YE Robots & Sofware e a inglesa Sundance Multiprocessor Technologies.

Financiado em 1,7 milhões pelo Horizonte 2020, o projeto VineScout pretende desenvolver de um “robô acessível, fiável e fácil de operar”. O objetivo é que possa ser “produzido em série a médio-longo prazo”, anunciou então o grupo Symington em comunicado. O VineScout faz medições de parâmetros chave da vinha, designadamente controlado o estado hídrico da videira, a temperatura da folhagem e o vigor da planta.

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