publicado a: 2019-02-17

Em Ribeira de Fráguas a luta é inglória: "Vai tudo à vida"

Aos 72 anos, Augusto Martins Silva tem ocupado o tempo livre deixado pela reforma de um modo que, há pouco tempo, não lhe passaria pela cabeça. Todos os dias, cerca de uma hora antes do almoço e outra hora ao início da tarde, senta-se num banco improvisado feito com dois tijolos, em frente a algumas das suas colmeias. Numa mão segura um camaroeiro, na outra, um pedaço liso de madeira. Fica ali, à espera que as vespas velutinas (vulgo, asiáticas) que hão-de chegar para rondar as colmeias e se alimentar das suas abelhas, fiquem ao alcance da rede. Prende-as e mata-as com uma paulada. “Todos os dias mato 20, 30, 40. E isto já há meses”, diz o apicultor de Telhadela, local da freguesia de Ribeira de Fráguas, em Albergaria-a-Velha.

E não é preciso esperar muito para provar o que diz. A manhã está a chegar ao fim, nesta quinta-feira de Janeiro, o sol bate em cheio nas colmeias e num cortiço, de onde saem e entram abelhas atarefadas. Mal se aproxima do local, Augusto avista logo uma das temidas vespas de peito negro. Senta-se a aguardar que ela se aproxime, tenta apanhá-la, mas não tem sorte. Só que ele tem tempo. Aguarda de novo, e nem um minuto depois, consegue apanhar a presa. Ou uma delas, pelo menos. Depois da pancada, mostra o corpo inerte entre os dedos. “Isto não resolve nada”, admite com um encolher de ombros. Mas desistir também não.

Em Ribeira de Fráguas as vespas asiáticas chegaram há mais de quatro anos. De um momento para o outro, os apicultores começaram a ver aqueles seres diferentes a rondar as colmeias. As abelhas, amedrontadas, recusavam-se a sair. Muitas acabam por morrer à fome, se os apicultores não se aperceberem da situação e não as alimentarem. Do nada, foi preciso perceber o que era esta nova ameaça e aprender a combatê-la. “Somos todos autodidactas”, diz João Cruz, coordenador da Protecção Civil na Câmara de Albergaria-a-Velha e responsável pelo combate à proliferação do insecto no concelho. Mas a luta tem sido desigual, afirma. “O Governo, através do plano de acção contra a vespa velutina decidiu, sem questionar as câmaras, que eram elas que tinham que resolver o problema. Não nos deram formação e só agora mandaram umas directivas. Todos os recursos são da câmara”, diz.

A solução foi – e continua a ser – avançar por tentativas. Começou-se por queimar os ninhos. Mas o processo não era o mais eficaz – não é permitido fazer fogo nos pinhais no Verão e a queima também não pode ser usada quando os ninhos surgem nos telhados ou junto às janelas de edifícios, com estruturas em madeira. Neste momento, recorre-se ao envenenamento directo dos ninhos, através de um insecticida, mas também aqui há problemas. O produto é caro (mais de 300 euros por três litros) e as varas telescópicas utilizadas para o introduzir no ninho não chegam a todo o lado. “Acima dos 15 metros é muito difícil”, refere João Cruz. Uma auto-escada dos bombeiros ajuda, mas Albergaria-a-Velha não tem este equipamento, pelo que é preciso contratá-lo (e, de novo, fica caro) aos vizinhos de Oliveira de Azeméis ou Aveiro. Mesmo assim, as escadas também não vão além dos 30 metros, e “os pinheiros são altos”, diz o responsável. Agora, a câmara vai experimentar um drone, copiando uma experiência já em curso em Espanha e também em Montemor-o-Velho, e que permitirá chegar aos pontos mais altos. Mas, tal como Augusto, João também não tem ilusões: “Sem nova tecnologia e investigação séria sobre o combate, não vamos lá.”

A experiência dos últimos anos e a convivência com os apicultores que o rodeiam, no edifício da Junta de Freguesia de Ribeira de Fráguas, parece suficiente para confirmar o desalento. Augusto Martins Silva sempre teve entre 14 e 16 colmeias. Há seis meses perdeu três, por causa da vespa. A quebra na produção do mel é ainda mais dramática: de 600 quilos produzidos em 2017, passou para 40 no ano passado. As abelhas que sobrevivem estão "muito enfraquecidas", explica. Telmo Silva, filho do reformado, já só tem uma dúzia de colmeias, das 36 que chegou a ter. A produção caiu de 500 para 30 quilos, de um ano para o outro.

António Eduardo Campos tinha 22 colmeias antes da chegada da vespa asiática. “14 foram à vida”, diz. Insistente, voltou a investir, chegou a ter 40 colmeias activas, mas, entretanto, nove já não existem e nos últimos dias percebeu que tinha perdido mais três. “A produção do último ano foi uma lástima. Tirei 44,5 quilos, de 40 colmeias. Em 2017, as mesmas colmeias tinham dado 1200 quilos de mel”, diz. Não é por falta de luta que, diz, “tem sido acérrima”, desde o primeiro momento. Mas o balanço de forças é muito desigual.

Se mostrasse as suas colmeias antes da chegada da vespa asiática, quem olhasse veria apenas as tradicionais caixas de madeira, com o voltejar constante das abelhas em redor. Hoje, o local ostenta um conjunto de parafernália que demonstra as batalhas travadas diariamente. Nas árvores em redor há armadilhas para apanhar a vespa. São uma espécie de copos cheios com iscos açucarados (há produtos comerciais e também artesanais, feitos à base de refrigerantes), que têm como principal objectivo capturar as vespas fundadoras que, entre Fevereiro e Março, devem começar a sair para fundar novos ninhos. E, em frente às colmeias, estão umas estruturas de fios finos de metal, que são electrificados, e a que o apicultor chama de “harpas”. Quando a actividade das vespas é maior, são colocados recipientes com água e detergente por baixo destas estruturas, para que as vespas que chocam com as harpas, atordoadas pelo choque, morram afogadas.

O problema – mais um problema – é que as vespas parecem estar a adaptar-se rapidamente, dificultando cada vez mais a vida a quem as tenta erradicar. Os apicultores e João Cruz dizem que, este Inverno, pela primeira vez, as vespas não hibernaram, como era costume fazerem. “Costumavam parar em Outubro e deixavam-nos em paz até Fevereiro ou Março, mas já não fizeram isso este ano. Continuam a percorrer as colmeias”, diz Telmo Silva. E algumas também já não se deixam cativar pelos iscos doces colocados nas armadilhas. “Elas já não querem nada do que se põe nas ratoeiras. Só querem as abelhas”, lamenta-se Augusto. Associe-se a dificuldade em dar resposta atempada por parte dos serviços da câmara – Telmo diz que já alertou para a existência de um ninho perto das suas colmeias há três semanas, João desculpa-se, dizendo que são só duas pessoas a trabalhar na destruição, e que tem havido ninhos liquidados “quase todos os dias” – e percebe-se que a vontade de criar novas colmeias seja pouca.

O apicultor defende que “a praga” das vespas asiáticas é um caso de “saúde pública” e teme que o problema global não esteja a ser claro para todos. “Não estamos só a falar do problema da polinização [por causa da morte das abelhas]. Quando as pessoas deixarem de ter pêssegos, figos, uvas… Isso vai acontecer. É impossível ir a uma figueira e apanhar um figo. As laranjas ficam ocas”. A ele já aconteceu. Ainda de manhã tinha ido ver um pomar de árvores novas em que os pêssegos estavam intactos. Quando regressou à tarde, já estavam “roídos”. É que as vespas não se alimentam apenas da proteína que obtêm quando comem as abelhas, antes disso, os “açucarados” também lhes enchem as barrigas e os frutos coloridos, doces e mais apetecidos, são os seus alvos preferenciais.

À espera do drone, à espera de novas técnicas, à espera de outras estratégias, os apicultores de Ribeira de Fráguas e João Cruz não sabem se a solução (a existir) vai chegar a tempo de evitar que as colmeias abandonem definitivamente a paisagem da freguesia e do resto do concelho. “Eu costumo ironizar e dizer que as pessoas só terão consciência do problema quando ele chegar a Lisboa”, diz João Cruz. António Eduardo quase não o deixa terminar a frase: “Espero que não demore muito. Já passou Santarém.” O homem que no ano passado destruiu mais de 250 ninhos de vespa asiática em Albergaria-a-Velha (mas em Águeda, por exemplo, foram mais de 800, diz) acena com a cabeça: “No próximo ano estará lá, certamente.”

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