Glifosato, o herbicida, volta ao Parlamento com o BE, PEV e PAN
O glifosato, um herbicida potencialmente cancerígeno e amplamente usado em Portugal, poderá ser restringido ou mesmo proibido, caso o Parlamento aprove iniciativas legislativas que vão a debate na sexta-feira.
O partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e o Bloco de Esquerda (BE) apresentam propostas para limitar o uso de glifosato, proibindo-o em meios urbanos e proibindo-o para usos não profissionais, ao mesmo tempo que querem tornar obrigatórias e regulares as análises da água para consumo humano.
Ao mesmo tempo, o Partido Ecologista Os Verdes (PEV) apresenta um projeto de resolução no qual recomenda ao Governo medidas para erradicar o uso de glifosato, o mesmo objetivo de uma petição que é também discutida. São ao todo cinco projetos de lei, um projeto de resolução e uma petição com um objetivo único, o herbicida glifosato.
Os subscritores da petição são os que vão mais longe, pedindo que a Assembleia da República “proponha e aprove a eliminação total dos herbicidas com glifosato”.
Na petição dizem, citando um estudo, que Portugal é o terceiro país da Europa com os solos mais contaminados por glifosato, e lembram que o herbicida é usado na agricultura e em jardins.
A petição não o diz, mas o glifosato também é usado nas zonas urbanas, zonas de lazer e vias de comunicação. É por isso que o BE apresenta um projeto de lei para proibir a aplicação de produtos com glifosato nessas zonas.
O BE já tinha apresentado iniciativas legislativas para interditar alguns dos usos do herbicida. Em maio de 2016 foi discutido mas chumbado um projeto de lei do partido idêntico ao atual. Em 2017 o Governo apresentou uma lei que proíbe o uso de produtos do género glifosato nos jardins infantis, nos jardins e parques urbanos de proximidade e nos parques de campismo, nos hospitais, nos lares e nas escolas.
O BE, na exposição de motivos do projeto de lei, reconhece que essa legislação foi um avanço, mas lembra que o uso de pesticidas não é proibido à porta de escolas e hospitais nem nos passeios à volta, e lembra que a lei permite exceções, o que na prática a torna pouco eficaz.
Por isso o partido volta a apresentar o projeto de lei, que proíbe a aplicação de glifosato em zonas urbanas, zonas de lazer, vias de comunicação e faixas de proteção adjacentes, como repete outros dois com o mesmo tema, um para tornar obrigatória a análise à presença de glifosato na água para consumo humano, e outro para proibir o uso de glifosato fora do âmbito profissional.
O PAN tem também dois projetos sobre análises à água e uso profissional do glifosato.
No primeiro o partido determina a obrigatoriedade de se proceder à análise mensal das águas destinadas a consumo humano a fim de verificar da presença de glifosato, um princípio ativo de herbicidas de amplo espetro, dos mais utilizados no mundo e que poderá causar intoxicações e até o cancro.
“Segundo a Direção Geral de Alimentação e Veterinária, só no ano de 2013 foram vendidas mais de 1.000 toneladas deste produto em Portugal, assistindo-se a uma tendência crescente do seu uso nos últimos anos. Ao todo, no mundo, consomem-se mais de 130 milhões de toneladas por ano. Segundo um estudo recentemente publicado, desde que foi apresentado como produto comercial com a marca Roundup, em 1996, o seu consumo foi multiplicado por quinze vezes até 2014”, diz o PAN na exposição de motivos.
O glifosato já foi detetado em análises de rotina a alimentos, ao ar e à água, bem como à urina, ao sangue e ao leite materno.
O PAN lembra que a Organização Mundial de Saúde (OMS) já alertou que o glifosato pode ser cancerígeno, cita estudos para dizer que há contaminação do herbicida nos seres humanos, e diz que atualmente apenas é recomendada uma análise anual de glifosato em água destinada a consumo humano. E apresenta um projeto de lei que torna obrigatória a análise mensal.
O segundo projeto de lei quer acabar com a comercialização de herbicidas com glifosato para usos não profissionais, já que hoje é vendido livremente, sem qualquer controlo de quantidades aplicadas. O BE, no mesmo sentido, propõe a alteração de uma lei já existente.
Os partidos salientam sempre o perigo para a saúde humana, algo a que o projeto de resolução do PEV, também faz referência, lembrando nomeadamente a relação estabelecida entre o herbicida e um tipo de cancro no sangue, o “Linfoma não Hodgkin”.
“Curiosamente, ou não, em Portugal todos os anos surgem cerca de 1.700 novos casos deste tipo de cancro, apresentando uma taxa de mortalidade superior à média da União Europeia. De realçar que o glifosato é o herbicida mais usado em Portugal, tendo-se assistindo a uma tendência crescente do seu uso, nos últimos anos”, escreve o partido ecologista.
PEV e BE aproveitam ainda para dizer que a União Europeia estendeu a licença do uso do herbicida e que por isso falhou na defesa dos direitos dos cidadãos. (Em 2017 prolongou a licença por mais cinco anos). E o Bloco assinala também que esse prolongamento se baseou num relatório da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar “copiado” de um documento da indústria agroquímica.
A empresa Bayer, que comprou em 2018 a Monsanto, fabricante do herbicida “Roundup” (glifosato), anunciou no final de outubro que enfrenta 42.700 processos judiciais nos Estados Unidos por causa do produto da sua filial norte-americana.
A Bayer foi já condenada três vezes a indemnizar californianos doentes com cancro.
Em Portugal algumas autarquias têm vindo a anunciar o abandono do glifosato, como a câmara do Porto ou a câmara do Funchal. A Áustria já baniu a utilização do glifosato.