Governos português e espanhol voltaram a conversar sobre a gestão dos rios internacionais
Os governos português e espanhol têm conversado sobre o futuro da Convenção de Albufeira, que regula a gestão conjunta dos rios internacionais da Península Ibérica, mas sem anúncios formais até agora e com uma escusa clara do Ministério do Ambiente e da Transição Energética em tocar no assunto por “considerar não ser o momento oportuno”.
A recente decisão do Supremo Tribunal de Justiça de Espanha de anular o Plano Hidrológico espanhol do Tejo, por não fixar caudais ecológicos em pontos sensíveis do seu curso, pode abrir uma nova fase negocial, com vantagem pelo menos temporária para Portugal. Isto no que respeita à política espanhola de transvases que se reflecte na quantidade e qualidade da água que atravessa a fronteira mas sobretudo na fixação de caudais que se adequem às condições climáticas cada vez mais adversas.
Não faltam os alertas dos cientistas sobre o clima cada vez mais quente e mais seco da Península Ibérica e as previsões de agravamento nas próximas décadas, atingindo gravemente os rios internacionais da Península Ibérica. Foi a equipa de cinco investigadores coordenada por Selma Guerreiro, especialista em hidrologia e alterações climáticas na Universidade de Newcastle, que concluiu em 2017 que “é necessário reavaliar a Convenção de Albufeira”, que regula a gestão conjunta do Douro, Tejo e Guadiana, e que “têm de ser consideradas medidas de adaptação de modo a tornar a agricultura regional e os recursos hídricos resilientes ao clima do futuro”.
No estudo “Seca cada vez mais seca – o futuro das bacias internacionais dos rios na Península Ibérica”, a maioria das projecções indica reduções anuais das descargas dos rios, com maior evidência no Outono, que podem ir de menos 61% no Douro, 71% no Tejo até menos 92% no Guadiana, tendo este a bacia que “consistentemente mostra as maiores quebras ao longo do ano”.
As bacias dos cinco rios que Portugal e Espanha partilham equivalem a 40% da Península Ibérica. E em condições naturais, diz o estudo, 70% do seu fluxo total têm origem em Espanha.
Num outro seu estudo que analisou as bacias internacionais dos rios Douro, Tejo e Guadiana, Selma Guerreiro previu que na segunda metade da década, as secas podem prolongar-se por 15 anos, durante os quais choverá o que em média chove hoje em sete anos, isto no pior cenário.
Na sequência da divulgação deste trabalho em 2018, Selma Guerreiro explicou então ao PÚBLICO que “todos os modelos [de previsões] apontam para uma intensificação das condições de seca para o Douro, Tejo e Guadiana”, com vários modelos a projectarem “um futuro com secas mais severas e mais prolongadas – ou seja, vários anos consecutivos de seca” até chegarem a “uma média de 80% da área de cada bacia sob condições de seca extrema no final do século”, de forma permanente.
Para esta investigadora, o que está a começar é “uma situação para a qual não estamos preparados”.
A resposta do Governo para a agricultura de um país cada vez mais seco e mais quente passa até agora, entre outros aspectos, por “apostar no uso eficiente da água e na constituição de reservas que permitam fazer face às alterações climáticas” através do Plano Nacional de Regadios. Espera também que o Instituto Nacional de Investigação Agrária e Veterinária desenvolva soluções em áreas consideradas críticas para o sector: disponibilidade de água e capacidade de rega, condições de fertilidade do solo e prevenção da erosão, gestão de risco face aos eventos extremos e maior variabilidade climática, risco de desenvolvimento de pragas e desenvolvimento de patrimónios genéticos animal e vegetal adaptados às novas condições climáticas, responde o ministro da Agricultura ao PÚBLICO.
E o maior reservatório de água da Europa que é o Alqueva? “Dispõe de uma reserva de água suficiente para assegurar o fornecimento ao longo de três a quatro anos consecutivos de seca aos actuais 120 mil hectares do Perímetro de Rega, mais aos 50 mil hectares que estão previstos no Programa Nacional de Regadios, a instalar até 2023”, diz o ministro. Ou seja, não passa de quatro anos consecutivos de seca.