José Núncio, Fenareg: "Em Portugal não existe um Plano Nacional de Regadios"
Entrevista a José Núncio, presidente da Fenareg
O presidente da Fenareg – Federação Nacional de Regantes de Portugal, José Núncio, diz que “a estabilidade do sector agrícola, no qual se inclui o regadio, é fundamental” e que “em Portugal não existe um Plano Nacional de Regadios. Existe um Programa Nacional dos Regadios, que é um documento que identifica e orçamenta um conjunto de obras em aproveitamentos hidroagrícolas, previstos pelo Estado e a executar até 2022”.
Por isso, “em breve apresentaremos uma proposta concreta de contributo para um Plano Nacional de Regadio“.
Em entrevista ao agriculturaemar.com, José Núncio acrescenta que a Fenareg defende “uma estratégia para o regadio, com um horizonte temporal alargado, devidamente justificada, definindo prioridades e objectivos, independente das alterações políticas”.
Por outro lado, no que diz respeito ao grande projecto de regadio proposto para a região do Ribatejo, José Núncio afirma que a “região da bacia do Tejo é realmente uma prioridade, mas infelizmente tem ficado muito esquecida, apesar de ser a maior zona agrícola nacional e tradicionalmente de regadio”.
“Nas recentes secas foi escandaloso que o Tejo, o maior rio da Península Ibérica, tenha atingido caudais mínimos e em muitos dias mesmo caudal zero. É uma situação que não pode ser permitida”, frisa aquele responsável.
Fenareg com “Distinção Mais Regadio”
Esta entrevista foi realizada antes de a Fenareg ser distinguida com a “Distinção Mais Regadio”, que foi entregue a José Núncio, durante a AgroGlobal, dia 5 de Setembro, no final do debate sobre o “Portugal Rural 2030 — Coesão o desafio”, organizado pelo Banco Santander Totta e a Consulai.
A distinção foi entregue pelo reconhecimento da assumpção da presidência, por parte da Fenareg, nos próximos quatro anos, da Irrigants d’Europe, que reúne as principais associações europeias gestoras de água para a agricultura e que foi constituída em Santarém no passado dia 14 de Junho de 2017, durante a Feira Nacional de Agricultura.
Quais as prioridades dos regantes para os próximos 5 anos?
A curto prazo a nossa maior preocupação vai para a continuidade do regime de apoio à agricultura, numa fase em que se discute a nova Politica Agrícola Comum (PAC). A estabilidade do sector agrícola, no qual se inclui o regadio, é fundamental. Não sendo possível estabilizar os preços dos produtos, que dependem dos mercados globais e de outras “guerras” comerciais, a estabilidade ou melhoria dos apoios proporcionados pela PAC – no I Pilar como garantia e no II Pilar para permitir o investimento e a evolução do sector – é fundamental para garantir a equidade de todos os agricultores no mercado comum.
Que medidas de actuação tem o regadio nacional preparadas para defender o sector?
Recordo que quando entrámos para a CEE o desafio para a agricultura era aumentar a produção e, passados poucos anos, pagava-se para não produzir. Agora é outra vez um sector estratégico, motor da economia. Ninguém compreende este tipo de politicas, a começar pelo agricultor.
Os desafios são muitos, desde a questão da segurança e garantia alimentar, da globalização dos mercados, das alterações climáticas, das questões sócio-económicas e de ocupação do território, das questões ambientais, etc., pelo que é fundamental que o agricultor, nomeadamente o de regadio, tenha a garantia e a estabilidade necessárias para desenvolver a sua actividade.
As barragens existentes são suficientes para o Plano Nacional de Regadios?
Gostaria de começar por assinalar que em Portugal não existe um Plano Nacional de Regadios. Existe um Programa Nacional dos Regadios, que é um documento que identifica e orçamenta um conjunto de obras em aproveitamentos hidroagrícolas, previstos pelo Estado e a executar até 2022.
No entanto é fundamental dispor de um verdadeiro Plano Nacional de Regadio, que defina a médio e longo prazo, os objectivos, as prioridades e os meios a afectar ao desenvolvimento do regadio. Não podemos continuar a executar obras avulsas e a alterar critérios de avaliação para satisfazer apenas necessidades imediatas. Os agricultores, a prazo, têm de ter uma expectativa de continuidade e estabilidade do regadio.
Por exemplo, o Alqueva?
Bom exemplo foi a obra de Alqueva, que terá demorado tempo demais a concretizar, mas cujo planeamento e estratégia foram fundamentais para a implementação, para o impacto e para o desenvolvimento que está a ter a região beneficiada, e não só.
A FENAREG defende, por isso, uma estratégia para o regadio, com um horizonte temporal alargado, devidamente justificada, definindo prioridades e objectivos, independente das alterações políticas. Um documento que não será estático, mas que garanta a continuidade e a estabilidade das politicas para o regadio, criando a base de planeamento para a sustentabilidade, competitividade e eficiência que propomos atingir no nosso regadio. Em breve apresentaremos uma proposta concreta de contributo para um Plano Nacional de Regadio.
Portugal está infelizmente na linha da frente das alterações climáticas, por isso, as reservas de água nunca serão demais e devem estar enquadradas neste Plano. Se são superficiais ou subterrâneas, com origem na reutilização ou soluções mistas, dependerá do potencial e das necessidades de cada região, mas serão sempre uma necessidade básica, devendo as soluções ser devidamente estudadas, actualizadas e avaliadas.
Como garantir que conseguimos armazenar mais água para fazer frente aos períodos de seca?
Há que definir o potencial e as prioridades de actuação. Num clima mediterrânico as secas e as cheias são fenómenos cíclicos naturais e o nosso dever é o de preparar soluções que atenuem os seus impactos. As barragens são um desses mecanismos, mas há outras soluções, como os sistemas de rega, os tipos de culturas e seus ciclos culturais. Nas zonas de maior défice hídrico o objectivo passará por garantir os usos prioritários, como sucedeu nos últimos anos de seca, em que foram restringidas ao mínimo as utilizações de água para rega de modo a garantir o prioritário uso urbano. Esta flexibilidade entre usos é fundamental e também é uma forma de adaptação à seca.
Como vê o grande projecto de regadio proposto para a região do Ribatejo?
A região da bacia do Tejo é realmente uma prioridade, mas infelizmente tem ficado muito esquecida, apesar de ser a maior zona agrícola nacional e tradicionalmente de regadio. Nas recentes secas foi escandaloso que o Tejo, o maior rio da Península Ibérica, tenha atingido caudais mínimos e em muitos dias mesmo caudal zero. É uma situação que não pode ser permitida.
Não julguemos que a situação será resolvida com recurso aos volumes armazenados nas albufeiras espanholas, pois em caso de escassez os acordos internacionais não garantem esse acesso. Há, portanto, que estudar alternativas em território nacional, pois existe disponibilidade de recurso (água), o que não dispomos é de capacidade de reserva. Concretamente nesta bacia, teremos de equacionar a construção de uma ou duas grandes barragens com capacidade para garantir não só as crescentes necessidades da agricultura, mas também as não menos importantes necessidades ambientais (quantidade e qualidade), os usos urbano, hidroeléctrico, industrial, turístico e até para fins de navegação.
É por isso fundamental estudar todo o sistema de fins múltiplos do Tejo, nas suas várias valências, aumentar a capacidade de regularização e de reserva, passando pelo alargamento do benefício da rega às regiões limítrofes, não esquecendo também a reabilitação das antigas estruturas existentes. Por isso repito é uma prioridade.
A água das barragens existentes está a chegar a todos os agricultores? É preciso mais apoio aos empresários para conseguirem ter acesso a essa água?
Obviamente que, por questões geográficas e de viabilidade económica, nunca será possível chegar a todos os agricultores. Daí a necessidade de estudar as áreas a beneficiar, o tipo de infra-estruturas e os meios de rega a instalar.
Claro que os apoios ao investimento dos agricultores são fundamentais para alcançarmos os patamares de eficiência e de abrangência que estamos empenhados em atingir no regadio.
Que tipo de apoios defende?
Apoios num sentido abrangente. Por exemplo, ao apoiar a instalação de painéis fotovoltaicos pode estar a introduzir indirectamente uma nova tecnologia no regadio, pois recorremos à energia para aumentar a eficiência hídrica. É neste sentido que também deverá haver abertura na aplicação dos apoios.
São fundamentais todo o tipo de apoios que permitam apostar fortemente numa politica de investimento de sustentabilidade, competitividade e eficiência do nosso regadio, apoiando directamente as explorações agrícolas, a reabilitação e modernização dos aproveitamentos hidroagrícolas existentes e a criação de novos regadios.
Os agricultores contam já com a melhor tecnologia de rega? Como pode a Fenareg ajudar os empresários a escolherem os melhores sistemas?
Nos últimos anos a evolução da tecnologia na agricultura de regadio tem sido notável, está ao nível das mais modernas tecnologias noutros sectores. O laser, o GPS, os sistemas computorizados, o satélite, as sondas electromagnéticas, os sofisticados sistemas de rega… até a tecnologia de um moderno tractor está ao nível de uma nave espacial.
Os resultados da aplicação destas tecnologias, do conhecimento e da investigação são exponenciais. Os agricultores obtêm hoje produções impensáveis ainda há poucos anos, utilizando menos recursos naturais (solo e água). No caso concreto da rega, nos últimos 30 anos, a utilização de água por hectare caiu para um terço. Em termos de eficiência do uso da água, a agricultura é o sector que regista os maiores avanços. O papel da Fenareg é garantir que haja condições e estabilidade, para que se possa continuar esta evolução.
A redução da factura energética tem sido uma das batalhas da Fenareg. Porque temos a energia mais cara que os outros Estados-membros da UE?
Portugal e também Espanha, por condições geográficas e de recursos, não têm a facilidade de acesso às grandes redes de distribuição de energia do Centro e Norte da Europa, sendo forçados a operar num mercado ibérico limitado, o que condiciona a competitividade do preço base da energia.
Por outro lado, existem condicionalismos legais nacionais que agravam o custo da energia, através de regras e de taxas, em que estas representam cerca de 50% do total da factura.
Como se resolve este problema? Subsidia-se a energia? Avança-se para as renováveis?
Para resolver o primeiro problema, terá de haver um reforço das ligações energéticas através dos Pirenéus e/ou com o Norte de África.
A questão das taxas já é um problema nacional, em que terá de haver vontade política para o ultrapassar. Concretamente neste ponto, a proposta da Fenareg é a aplicação de taxas de potência sazonais na agricultura, situação que os nossos vizinhos espanhóis e nossos principais concorrentes já estão a resolver.
O recurso às energias renováveis, nas nossas condições climatéricas, não deverá ser uma opção mas sim uma obrigação. A Fenareg defende a criação de um programa de apoio para substituição das fontes de energia convencionais por renováveis nas explorações de regadio, rumo à neutralidade carbónica. Além do seu menor impacto ambiental, permitem atenuar os custos com a rega.
Quando pedem mais apoios ao regadio, o investimento em energias renováveis também está incluído nesses apoios?
Claro, quer seja complementarmente num projecto de investimento de regadio ou em exclusivo, por exemplo para complementar um regadio existente, situação que hoje ainda não é possível.
O futuro da agricultura portuguesa está no regadio? Porquê?
Não é só o da agricultura portuguesa. O futuro da agricultura está no regadio.
Esta afirmação justifica-se no ganho de produtividade que o regadio garante. Um hectare de regadio produz mais de cinco vezes o que um hectare de sequeiro consegue. Com uma perspectiva de crescimento de +50% da população mundial até 2070, e o correspondente aumento dos alimentos necessários para alimentar esta população, é óbvio que a solução passa pelo regadio. Por outro lado, os fenómenos extremos previstos com as alterações climáticas, não só aumentam a dependência da rega, como a alargam a zonas que até agora não tinham essa necessidade.
Como vê a agricultura portuguesa daqui por 10 anos?
Julgo que os governantes nacionais começam a ter uma visão mais pró-agricultura, o que poderá facilitar o panorama agrícola nacional. Também se começa a sentir da parte da sociedade uma maior sensibilidade para os problemas agrícolas.
Ao nível das políticas europeias, com um previsível alargamento do leque de politicas transnacionais, o peso relativo das politicas agrícolas decrescerá, pelo que deveremos estar muito atentos para que a PAC não perca peso, pelo menos em termos absolutos. Essa foi uma das razões da recente constituição dos Irrigants d’Europe, associação constituída pelos representantes nacionais do regadio de Espanha, França, Itália e Portugal, entidade exclusivamente dedicada à defesa dos interesses do regadio a nível internacional.
Estamos optimistas com o futuro deste sector estratégico que tem respondido a todos os desafios que se lhe têm colocado e continuará seguramente a evoluir.