Metade do tráfico de seres humanos em Portugal teve como destino o Alentejo
Houve 775 vítimas confirmadas de tráfico de seres humanos em Portugal, entre 2008 e 2019. A maioria destas pessoas foi vítima de exploração laboral na agricultura.
"Masline", azeitona em romeno, mas também em várias línguas eslavas: o nome dado pelas autoridades a uma das grandes operações realizadas no distrito de Beja, entre 2018 e 2019, é um exemplo simbólico do destino e da função para a qual são traficadas muitas destas pessoas - a agricultura intensiva no Alentejo, com os olivais como uma das áreas que mais utiliza esta mão-de-obra ilegal. Na leitura do último boletim do Observatório de Tráfico de Seres Humanos (OTSH), que atualiza os dados para o período de 2008 até 2019, Rita Penedo, a responsável deste organismo, sublinha à TSF que "ao nível do território de exploração, a NUT II Alentejo [que incluiu o Ribatejo] tem 51% das vítimas confirmadas em território nacional. Destas, 99% foram confirmadas em tráfico laboral."
Fazendo 'zoom' à metade sul do país, é possível concluir, que "observando os territórios de exploração, 82,5% dos casos confirmados ocorreram no Baixo Alentejo, com especial ênfase para os municípios de Beja (90 vítimas) e Ferreira do Alentejo (82 vítimas), sendo também de assinalar outras 36 vítimas exploradas em mais do que uma herdade agrícola em diferentes municípios". Este é um aspeto que Rita Penedo faz questão de sublinhar, em declarações à TSF, porque "está relacionado com o próprio fenómeno do tráfico no setor laboral - e em concreto no setor agrícola - em que as vítimas foram exploradas em mais do que um município; portanto, existe rotatividade e mobilidade que acompanha a própria sazonalidade, o que dificulta também a própria sinalização e identificação das vítimas".
Questionada sobre a hipótese destes números serem a ponta do icebergue, Rita Penedo reconhece que "a sub-representatividade numérica do crime de tráfico é reconhecida em Portugal" tal como no resto da União Europeia. Isto acontece por se tratar de "um fenómeno encoberto de difícil deteção" logo, a fotografia que estes dados revelam é aquilo que está formalmente confirmado. "Quando se diz a ponta do icebergue" reconhece a responsável do OTSH, não se pode quantificar se a base, para baixo, "é muito grande ou é mais pequena".
Apesar do Ministério Público de Odemira ter aberto 11 inquéritos por auxílio à imigração ilegal, a região do Alentejo Litoral, ao longo de toda a última década, não foi um destino diretamente identificado na rota do tráfico de seres humanos, pelo que se pode ler no "Boletim de Atualização do número de vítimas confirmadas", publicado em novembro de 2020 pelo referido Observatório e disponível na internet. Até 2019, o Alentejo Litoral, onde fica o concelho de Odemira, representou apenas, ao longo de uma década, 1% dos casos confirmados no Alentejo e no Ribatejo como tráfico de seres humanos.