Portugal é um dos três países europeus onde morrem mais pessoas em acidentes com tratores.
Mais de 350 vítimas mortais em cinco anos é o total que resulta dos acidentes com tratores em Portugal. Os dados reportam-se ao intervalo entre 2013 e 2017, mas a cada semana somam-se novas mortes a um ritmo semelhante. Em causa estão, geralmente, capotamentos, envolvendo condutores com mais de 65 anos.
Em Portugal morrem demasiadas pessoas por causa de acidentes com tratores. Só entre 2013 e 2017 foram registadas 358 vítimas mortais, curva estatística que não dá sinais de abrandamento e que tem colocado o país sistematicamente na terceira pior posição da União Europeia. Não há dados oficiais em relação a 2018, adianta a Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT), mas basta estar-se atento. Esta semana, por exemplo, foram noticiadas três mortes apenas desde sábado.
A mais recente aconteceu na terça-feira, em Perelhal, concelho de Barcelos, quando um rapaz de 12 anos ficou debaixo do trator que conduzia na via pública, depois de este ter capotado. O rapaz terá escapado à atenção da avó e saído sem autorização, um acidente atípico dentro da categoria, já que a maior parte das ocorrências envolve homens mais velhos, quase sempre acima dos 65 anos, e acontecem em contexto de trabalho agrícola.
“Na realidade, Portugal sempre teve uma sinistralidade muito alta neste domínio”, disse ao Expresso Augusto Ferreira, coordenador técnico da Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas (Confagri). E várias causas concorrem para o problema, acrescentou.
IDADE, CANSAÇO E EXCESSO DE CONFIANÇA
Uma delas “é a idade avançada dos nossos agricultores”, a que se alia a necessidade de as tarefas agrícolas “terem de ser realizadas em intervalos reduzidos de tempo”, agravando o “cansaço físico”, próprio de uma atividade já se si fisicamente exigente, explica Augusto Ferreira. As outras causas, continua, resultam de um certo “excesso de confiança” a operar máquinas “que, para todos os efeitos, são perigosas”; decorrem da “falta de formação”; e também do facto de em Portugal o próprio parque de tratores estar demasiado envelhecido.
O técnico da Confagri toma por base o número de tratores registados para efeitos de atribuição de subsídios de gasóleo: “Dos cerca de 170 ou 180 mil listados, mais de 50% têm mais de vinte anos”. Na prática, isto significa que não dispõem de estruturas de proteção, sejam elas arcos ou cabines, ‘acessórios’ que se tornaram obrigatórios para os tratores matriculados após janeiro de 1994.
RISCO DE MORTE OITO VEZES SUPERIOR
Geograficamente, os dados disponíveis mostram também que há características muito próprias a potenciar os acidentes. Grande parte destes acontecem em zonas de minifúndio - nos distritos de Bragança, Viseu, Guarda -, onde as parcelas pequenas levam a que os agricultores tentem explorar cada bocadinho de terreno livre, deixando vias de circulação mais estreitas que o recomendável para manobrar um trator, aumentando o risco.
Diz um documento da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) que os tratoristas, “em comparação com os condutores de veículos ligeiros, veem a probabilidade de morte ser aumentada em pelo menos 8 vezes”. Falam novamente as estatísticas: “Dois em cada três capotamentos de trator são ‘mortais’ e 70% das vítimas resultam deste tipo de acidente”, pode ler-se no mesmo artigo.
Augusto Ferreira lembra que estão em causa “máquinas de trabalho”, com riscos específicos. Se se procurarem as suas características, encontra-se uma descrição esclarecedora, como a que consta no site Marketing Agrícola.pt, explicando que um trator tem “aproximadamente 65% do peso no eixo traseiro, distribuindo-se os restantes 35% pelo eixo dianteiro. É esta diferença de peso significativa entre os dois eixos que potencia o capotamento do veículo.
FORMAÇÃO ESPECÍFICA TORNOU-SE OBRIGATÓRIA
Numa tentativa de responder ao problema, e já depois de ter criado um grupo de trabalho para o efeito em Junho de 2017, o Governo publicou recentemente um despacho, tornando obrigatória a formação específica para os condutores de veículos agrícolas, deixando de ser suficiente ser-se portador de carta de condução ou licença.
“Os condutores de veículos agrícolas com carta de condução da categoria B que pretendam conduzir veículos agrícolas da categoria II e com carta de condução das categorias C e/ou D que pretendam conduzir veículos agrícolas das categorias II e III, dispõem de dois anos, após a data de entrada em vigor do presente despacho, para realizarem com aproveitamento a formação”, estabelece o despacho publicado em fevereiro, o que coloca como prazo limite fevereiro de 2021.
Será suficiente? O técnico da Confagri acredita que “não chega”, sublinhando a necessidade de ser renovado “com urgência” o parque nacional de tratores. O que, sendo no imediato difícil, pode justificar que se olhe para soluções como as que já foram adotadas noutros países, nomeadamente “o estabelecimento de parcerias com instituições que desenvolvam, a custos razoáveis, estruturas de segurança homologadas”, que possam ser aplicadas aos veículos existentes.