ProDouro: Carta aberta Ministro da Agricultura e Pescas
A ProDouro - Associação dos Viticultores Profissionais do Douro divulga a carta aberta dirigida ao Ministro da Agricultura na sequência da entrevista ao jornal Público no passado dia 22 de abril.
Dada a importância dos assuntos abordados a associação considera importante a partilha do documento junto dos interessados, que passamos a reproduzir:
Excelentíssimo Senhor Ministro da Agricultura e Pescas
Eng.º José Manuel Fernandes
No passado dia 22 de abril, a ProDouro, Associação de Viticultores Profissionais do Douro (www.prodouro.com), leu atentamente a entrevista que V. Exa. deu ao jornal Público.
Registámos com agrado duas afirmações perentórias: “Os agricultores são escultores da paisagem” e “Os agricultores têm de ser ouvidos antes das tomadas de decisões”. Escrevemo-las, sublinhadas, no seu cartão-de-visita.
A ProDouro disponibiliza-se, desde já, para ser ouvida e, para começar, queremos denunciar-lhe o quanto sentimos enjeitados os escultores da paisagem do Alto-Douro vinhateiro! Vivem orgulhosos da distinção da UNESCO — Douro, Património Mundial —, mas desgostosos por somente uma vez por ano, em dezembro, se festejar essa distinção, sem que os convidem à festa e com o desejo sincero de os ouvir e ajudar na conservação e melhoria da paisagem.
Também nos confortou, Senhor Ministro, vê-lo determinado, ao afirmar: “E tem de haver uma estratégia para removermos barreiras alfandegárias em países terceiros e podermos exportar”. Foi pena que, na mesma senda, o Ministério anterior não tivesse aproveitado melhor, em 2023, a comemoração do 650o Aniversário da Aliança Luso- Britânica. O Vinho do Porto era um bom pretexto.
O VITIS foi assunto na entrevista e mereceu, inclusive, destaque do entrevistador.
Saiba V. Exa. que a ProDouro está pronta para o julgamento imparcial deste programa de Reestruturação e Conversão de Vinhas.
Poderemos ser ouvidos como testemunhas abonatórias dos esquecidos, senão desprezados, “escultores”? Explicar-lhe-íamos, então, os erros ou imprudências do VITIS no Douro: a primazia do candidato sobre a vinha objeto de candidatura; o descuido consentido na arquitetura da paisagem e no aproveitamento da terra para as videiras;a adulteração do património genético das nossas castas autóctones e tradicionais; etc..
Doí-nos a destruição da paisagem construída pós-filoxera, até 1965, ano em que os taludes em terra substituíram os muros de pedra posta e, até então, replicávamos à vontade as nossas castas. Doí-nos, enfim, o desaparecimento acelerado das verdadeiras vinhas velhas do Douro e dos seus melhores escultores. Hoje, no VITIS, nem a prudente obrigatoriedade do Tratamento por Água Quente (TAQ), prevenindo a Flavescência Dourada das videiras, conseguimos vingar.
Acerca do VITIS, o Senhor Ministro referiu - pareceu-nos em pé de igualdade - as medidas «vindima em verde» e «destilação de crise», mas, do nosso ponto de vista, são diferentes e, mal por mal, preferimos vindimar em verde.
A «vindima em verde» é uma medida drástica. Para a compreendermos, é oportuno adaptar à viticultura a reflexão de Paul Roberts (2009) em «O Fim da Comida», para quem a agricultura sempre foi diferente das outras áreas de negócio, pois, ao contrário delas, não refreia a produção em face da queda dos preços, antes respondendo normalmente a um abaixamento dos preços com a tentativa do aumento da produção por unidade de área, para diluir os custos fixos. Com a simples reconversão das vinhas e, hoje em dia, com a mecanização das tarefas vitícolas e as novas técnicas de produção (seleção clonal e rega das videiras, etc.) consegue-se isso; mas, no fecho de contas, haverá que distribuir depois os custos desses investimentos realizados pela maior produção, agravando o excesso de oferta existente e empurrando os preços ainda mais para baixo.
Tudo isto porque a terra representa um custo fixo sobre o qual os agricultores têm muito pouco controlo e, deste modo, caiem num ciclo vicioso em que se veem essencialmente a produzir cada vez mais, unicamente para evitar a falência. Enquanto isso, o dono de uma fábrica, num cenário igual de queda dos preços, reduzirá a sua produção até que a oferta caia a tal ponto que os preços comecem a subir, mas apenas o faz porque controla o seu maior custo (dispensando mão-de-obra, por exemplo), enquanto um agricultor não pode dispensar temporariamente o seu maior custo, a terra.
No cenário de Paul Roberts, as pequenas e médias explorações que não tinham escala para continuar a distribuir os seus custos, nem capital para comprar nova tecnologia, foram sendo eliminadas e substituídas por explorações de agricultura industrial em grande escala, as quais podiam compensar em volume e eficiência aquilo que perdiam no preço.
No passado, respondemos a circunstâncias semelhantes à que agora vivemos com a criação da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto-Douro (século XVIII) e da Casa do Douro (século XX). Foram respostas bem dadas.
E se amanhã ouvíssemos os viticultores-escultores, enquanto repensam a sua nova Casa do Douro? Como responderiam se confrontados na vindima 2024 com a possibilidade da «vindima em verde»? Uma medida de recurso, avulsa, que ganha ao facilitismo da «destilação de crise». A «vindima em verde», bem entendida, solidariza os viticultores e atormenta a consciência dos políticos; ao invés, a «destilação de crise», anónima, adormece os mesmos políticos e encobre os batoteiros.
Assim, muito agradecemos que o Senhor Ministro nos ouça sempre que o assunto seja a vitivinicultura, mas sobretudo quando particularizado ao Douro vinhateiro. Entretanto, conhecer-nos-á melhor se ler o nosso último jornal: https://prodouro.com/wp-content/uploads/2024/03/JornalVIIIpdf.pdf. A nova Casa do Douro é o assunto principal.
Com os nossos respeitosos cumprimentos,
Presidente da Direção
Rui Soares