Região do Douro em agonia
A Região Demarcada do Douro vive um dos momentos mais conturbados da sua história. A extinção da Casa do Douro (CD) como instituição pública, o pedido de insolvência e as consequências para todo o sector do vinho Douro e Porto preocupam vitivinicultores, funcionários e direcção da extinta CD e os sacerdotes da região.
Uns e outros falam em processo “mal conduzido” que pode levar à “ruína” da mais antiga região demarcada do mundo.
António Januário, director da extinta CD, não poupa palavras para dizer que “quem criou estes imbróglios foi o Governo e, em particular, o secretário de Estado da Agricultura e, portanto, tem que ser o Governo a resolvê-lo”.
O dirigente reconhece legitimidade política ao Governo para “extinguir a Casa do Douro”, mas coloca em causa a forma como o processo foi lançado e está a ser conduzido e que classifica como “um assalto ao património da Casa do Douro, para ser entregue a uma associação privada”.
Também o processo de insolvência, pedido pelo Estado, ao qual foi atribuído um valor de 124,6 milhões de euros, está a motivar preocupações, já que “tem a ver com cerca de 30 mil pipas de vinho do Porto, que pode ser lançado no mercado de uma vez só, e que pode ter graves implicações no sector do vinho do Porto”, alerta António Januário.
Dois anos de salários em atraso
A Casa do Douro enquanto associação de direito público foi extinta a 31 de Dezembro de 2014, dando cumprimento a um decreto-lei publicado em Outubro, que extinguiu também os postos de trabalho afectos à organização, onde desempenham funções funcionários privados e públicos.
Maria José é funcionária do quadro da CD há 15 anos. Há dois que não recebe salário. Permanece na instituição porque “a Autoridade para as Condições do Trabalho - Centro Local do Douro, ao pedido de esclarecimento feito pela direcção da CD, respondeu que a instituição não foi extinta, mas apenas a sua qualidade, enquanto associação pública”.
Maria José vive angustiada porque “ninguém diz como e quando vão pagar as indemnizações e os ordenados em atraso”.
“É um momento muito difícil porque não temos perspectiva nenhuma. Está a decorrer agora um concurso. É pedida a insolvência da Casa do Douro a 31 de Dezembro. Deveria ter havido uma preocupação em manter os nossos postos de trabalho para a associação que viesse a seguir, mas não foi o caso. Isto causa-nos muito transtorno”, conta à Renascença.
Também José Carlos, funcionário da Casa do Douro há 12 anos, não sabe se vai receber os “dois anos de salários em atraso” e admite a necessidade de recorrer à ajuda da mãe e da irmã “para viver”.
José Carlos revela que é “o amor à instituição, à região e a preocupação com os vitivinicultores” que o faz permanecer no seu posto de trabalho, “apesar da angústia e da indefinição criada pela extinção da CD”.
Vitivinicultores amargurados
José Morais de 68 anos é vitivinicultor em Vilar de Maçada, no concelho de Alijó. Produz anualmente cerca de 20 pipas de vinho. Acompanha com apreensão a situação em torno da Casa do Douro e alerta para a ruína da região.
A sua maior preocupação prende-se com a possibilidade de o 'stock' de vinho do Porto da CD, em consequência da insolvência, ser vendido de uma só vez.
“Será a ruína completa”, afirma o produtor, para quem “todo o processo da extinção da Casa do Douro foi muito precipitado e está a ser mal conduzido”.
O vitivinicultor fala ainda em “tempos difíceis para os lavradores” e afirma que “é insuportável granjear a vinha”, ilustrando com o abaixamento dos preços do vinho, face ao aumento dos factores de produção.
“O generoso [vinho do Porto] estava entre os 1000 e os 1.200 euros e está nos oitocentos; o de consumo anda aí nos 100 e 150 euros. E os factores de produção estão cada vez mais caros”, afirma José Morais, concluindo que “não se consegue pagar a um trabalhador para granjear as vinhas e o melhor é deixá-las a monte, que é o que está a acontecer”.
Segundo as contas do vitivinicultor, do ano passado para este ano “há uma diminuição de cerca de 15 mil vitivinicultores” na região do Douro.
Também Alfredo da Mota, vitivinicultor em Peso da Régua, descreve a situação como “critica”. Apesar de produzir cerca de cem pipas por ano, afirma que “o preço a que o vinho é pago não compensa o sacrifício de trabalhar a vinha”. “É só impostos atrás de impostos e as pessoas vivem com muitas dificuldades."
De proprietários a trabalhadores rurais
As dificuldades por que passam muitos pequenos e médios vitivinicultores estão a preocupar os párocos da região do Douro - Régua, Santa Marta de Penaguião e Mesão Frio - que já em Setembro último alertaram para o “drama social” que se vive na região e pediram a intervenção “urgente” do Presidente da República, Governo e Assembleia da República.
“É um drama humano” , diz à Renascença o pároco do Peso da Régua, padre Luís Marçal, que explcia: "Implica com a própria pessoa e não apenas com a forma de viver”. Acresce que “denota falta de dignidade e de respeito para com as pessoas”.
O sacerdote refere que “muitas famílias estão a emigrar” e revela que “proprietários de vinhas, que antes tinham pessoas a trabalhar para si, agora se vêem obrigados a trabalhar como trabalhadores rurais e que, com a vergonha - porque de patrões passaram a empregados - vão para outras terras”.
“Isto conduz à separação das famílias e à degradação das habitações”, lamenta o padre Marçal. “Saem ao domingo à tarde e, depois, vêm à sexta-feira à noite. Ao sábado e domingo trabalham nas vinhas deles. É triste!”.
“Casa do Douro forte” é a solução
O padre Luís Marçal nota que, nos últimos dez anos, o preço dos vinhos, para os pequenos e médios vitivinicultores, “diminuiu mais de 50%”, ao mesmo tempo que “as despesas de cultivo foram sempre aumentando”, havendo, por isso, “vitivinicultores a arrancarem as vinhas, porque não chegam a receber das uvas o necessário para pagar a própria vindima”, conta.
A solução está, segundo o sacerdote, numa “Casa do Douro forte”, que é preciso “defender com unhas e dentes”.
“A Casa do Douro é a mãe - o património. Sem ela, os vitivinicultores ficam órfãos”, diz o sacerdote, garantindo que “é possível" fazer do Douro uma “mesa enorme”, onde todos se sentem “ao mesmo nível, a comer do mesmo pão, a brindar ao e com o mesmo vinho”.
“É preciso é união e autoridade”, remata.
Criada em 1932, a Casa do Douro vive há anos asfixiada em problemas financeiros e possui actualmente uma dívida ao Estado na ordem dos 160 milhões de euros.
Esta segunda-feira termina o prazo para apresentação de candidaturas à sucessão da Casa do Douro, extinta como entidade pública, a 31 de Dezembro de 2014.
Podem candidatar-se à CD as associações ou federações de direito privado, sem fins lucrativos, que estejam constituídas nos termos da lei geral, tenham como associados pelo menos cinco mil viticultores da Região Demarcada do Douro com uma superfície de vinha superior a cinco mil hectares e apresentem uma situação tributária e contributiva regularizada.
A associação que vier a ficar com a instituição poderá continuar a usar o nome “Casa do Douro” e ficará com o património da organização, a sede, delegações e ainda com a participação na Real Companhia Velha.
Fonte: Rádio Renascença