publicado a: 2019-03-07

SOS Clima. Como o tempo pode mudar o Atlas do Vinho e o Douro em especial

Os cientistas dizem que a temperatura mundial só pode continuar a subir e admitem que o mapa das regiões vitivinícolas está em risco de mudar em direção a novas latitudes e novas altitudes. Fenómenos extremos, doenças da videira, stress da vinha...tudo está a acontecer. A produção em Portugal no ano passado ficou no valor mais baixo do século. E soluções? Talvez um protetor solar

Chuva, granizo, escaldão, muito míldio. 2018 foi um pesado para os viticultores portugueses e o resultado viu-se depois do lavar dos cestos: A produção de vinho em Portugal, no ano passado, caiu mais de 20%, para 5,2 milhões de hectolitros, o valor mais baixo do século XXI, e voltou a colocar as alterações climáticas no centro das atenções.

Em cima da Climate Change Leadership, que coloca o Douro e o vinho do Porto em especial no centro do debate sobre as alterações climáticas, o Expresso foi falar com os responsáveis pela viticultura e enologia de dois dos principais produtores da região - The Fladgate Partnership e a Symington Family Estates - sobre o que está realmente a mudar e o que pode ser feito para atacar o problema.

Primeiro alguns factos sobre a mesa: a 28 de maio do ano passado, no Pinhão, choveu numa hora 12% do total anual. A produção de uma das quintas do grupo Fladgate perdeu-se o que significa que aquela hora custou €400 mil à empresa. E a 3 de agosto, em Vargelas, uma quinta do mesmo grupo, o termómetro atingiu os 44,2 graus, 1,2 graus acima do último recorde. Na Symington, o relatório da última vindima fala das dificuldades climáticas sentidas num ano que se esperava tranquilo, depois do Douro ter vivido em 2017 o ciclo mais seco de sempre. E os registos da Quinta do Bonfim mostram que a média da temperatura já está 1,9 graus acima do valor padrão definido com dados desde 1947. Os registos meteorológicos da região mostram, também, que 16 dos 17 anos mais quentes ocorreram desde 2000.

“As médias das temperaturas máximas anuais aumentaram significativamente na Régua e no Pinhão 1,2 a 1,3 graus entre 1967 e 2010, enquanto as temperaturas mínimas subiram 3,6 e 2,5 graus respetivamente”, refere Charles Symington, diretor de produção da Symington, juntando à conversa outros factos, como a perda de 1,7 toneladas de terra por hectare por ano nas vinhas ao alto, plantadas na direção do declive, em que há mais dificuldade em controlar a velocidade da água quando chove em força, num registo tropical que nada tem a ver com o clima do Douro.

O problema, explica, é que numa região de montanha como é o Douro, esta erosão dos solos significa perda de uma superfície rica em matéria orgânica em enxurradas que acabam no Douro. E a média de pluviosidade pode estar próxima dos valores do passado, mas não chove da mesma maneira, de forma consistente, em momentos precisos do ano.

Do lado do aquecimento, Charles admite que uma planta entra em stress na vinha com temperaturas a partir dos 32 graus, com efeitos negativos na fotossíntese. Diz que o rendimento por hectare no Douro já terá baixado uns 20% nos últimos 15 anos, para uma produção próxima das 3.500 toneladas por hectare, que compara facilmente com 14 mil toneladas no novo mundo. E acrescenta que os registos do livro de visitas da Quinta do Bonfim guardam a memória de vindimas em outubro, por altura da Segunda Guerra Mundial, quando hoje tudo acontece por setembro, ou até antes.

Vindimar mais cedo?

“Em 2017, pela primeira vez na empresa, começamos a vindima de uvas tintas em agosto, no dia 28. Antes disso, tínhamos como recorde o dia 5 de setembro”, acrescenta Charles.

António Magalhães, o chefe de viticultura da Fladgate põe algumas reticências na ligação direta da antecipação das vindimas ao aquecimento global, até porque o Douro passou a ter para além do Porto os vinhos DOC Douro, que serão naturalmente vindimados mais cedo. Mais: no passado cada viticultor fazia a sua vindima e hoje isso fica a cargo de grandes adegas, uma concentração que obriga alargar datas.

Mas admite que na sua vida profissional, 2017 foi o ano em que começou as vindimas mais cedo e na sua empresa só se faz vinho do Porto. Acrescenta, no entanto, haver registos históricos de 1863 sobre vindimas precoces no Baixo Corgo em agosto. E reconhece "algumas evidências" como “fenómenos de granizo cada vez mais frequentes no Douro”. “No Cima-Corgo (Sabrosa, Alijó, S. João da Pesqueira e Tabuaço), no período entre 2010 e 2018, só não vivemos episódios de granizo violento em 2013 e em 2014”, refere, sem esquecer uma nota para “as infeções de míldio, cada vez mais violentas”.

É verdade que o Douro sempre soube lidar com anos áridos, como aconteceu em 2005 ou 2012. A grande questão é saber como lidará a região com a normalidade de anos seguidos demasiado quentes, questiona Charles que apresenta como pegada da sua empresa emissões de 1 kg Co2 por litro de vinho, com uma redução de 23% entre 2015 e 2017, muito por via de stocks e logística.

MAIS 6 º GRAUS ATÉ 2100

O problema é comum a todo o mundo do vinho. Há até quem fale numa mudança do atlas vitivinícola mundial por força da necessidade de deslocar as vinhas mais para norte, para maiores altitudes e para zonas costeiras, de forma a fugir ao stress da pressão solar. Dados do Instituto Francês da Vinha e do Vinho garantem que uma subida de um grau no termómetro significará uma deslocação de 180 km no potencial vínico de uma região.

Há cada vez mais ciência, experimentação e tecnologia adaptada à vinha, numa altura em que se fala num aquecimento de 6º até 2100 , como diz Mohan Munasinghe, que presidiu do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas das Nações Unidas.

Fala-se, também, de uma quebra de 25% a 73% na área vitivinícola das principais regiões produtoras do mundo até 2050, da deslocação do limite setentrional da viticultura para a Escandinávia por essa altura. E de mudanças no padrão do vinho porque se a temperatura e os ritmos de chuva são alterados, isso pode transformar o perfil de um vinho, e mais calor pode significar um grau de álcool superior.

A INGLATERRA PODE TER ALGO PARECIDO COM CHAMPANHE

Um estudo do centro de agricultura da Universidade da Califórina sobre o impacto das alterações climáticas na indústria do vinho refere, até, que em 2050, a temperatura em Bordéus pode já não permitir a produção de um Cabernet Sauvignon de boa qualidade. A temperatura em Bordéus subiu 2,64 graus em três décadas e em Napa Valley, na Califórnia, aumentou 0,95 graus, refere este trabalho de Calanit Bar-Am e Daniel A. Summer.

O vinho do Porto poderá ser já uma forma de resposta ao aquecimento global, como acredita António Magalhães, mas há quem diga que a Dinamarca e a Inglaterra acabarão a produzir algo muito próximo do champanhe no futuro.

“A Inglaterra tem vindo a produzir cada vez mais vinho nos últimos 10 anos. É verdade que o sul de Inglaterra fica próximo da região de Campanhe, em linha reta, e as coisas podem mudar no futuro, neste cenário de alterações climáticas”, comenta Charles Symington.

E o que se pode fazer no Douro, nesta fase, de forma a reduzir a pressão do calor, da aridez e do stress da vinha? Não há ainda consensos sob as melhores práticas para atacar o problema, mas há experiências em curso, medidas que começam a ser implementadas.

Os Symington têm, por exemplo, trabalhos com coleções de castas na Quinta do Ataíde (Douro Superior), no Bonfim (Cima-Corgo) e numa cota ainda mais elevada que deverão ajudar a perceber quais são as variedades mais resistentes e com melhor capacidade de adaptação às mudanças climáticas, mas ainda é preciso esperar 3 a 4 anos para as primeiras conclusões. "É necessário analisar ciclos longos para tirarmos conclusões”, explica Charles.

A Fladgate está a trabalhar com a Prodouro - Associação de Viticultores Profissionais do Douro e a UTAD – Universidade de Trás os Montes e Alto Douro para encontrar uma solução técnica inspirada na que já é usada na Borgonha francesa, de forma a semear nuvens com sais higroscópicos (a Borgonha usa iodeto de prata) com o objetivo de evitar a formação de granizo, forçando a queda de chuva.

SETE MEDIDAS, NEM SEMPRE CONSENSUAIS, PARA AJUDAR A VINHA A RESISTIR À PRESSÃO DO CLIMA:
1 - Protetor Solar - aplicação de caulino pode reduzir até um grau a temperatura da planta
2 - Ensombramento - há quem fale em redes para evitar o contacto direto da planta com o sol, mas no caso do Douro, a escolha do terreno e a disposição das vinhas também pode ajudar a diminuir o impacto do sol. Redesenhar a disposição das vinhas na região pode ajudar a contrariar a aridez do clima
3 - Mudar o sistema de condução da vinha – em vez da disposição da videira em arames, optar por outro modelo inspirado nos pequenos arbustos, um pouco à imagem do que acontece nas vinhas pré-filoxera da região espanhola de Toro
4 - Aumentar a densidade das videiras – atualmente pode variar entre os mil e os 5 mil pés por hectare, mas neste momento a média andará nos 3.500 pés. Com o clima a castigar a vinha, a opção poderá ser ter vinhas mais pequenas, mas mais próximas umas das outras, de forma a manter a produção por hectare
5 - Fazer uma poda de rejuvenescimento constante
6 - Seleção de castas – escolher as uvas mais resistentes na variedade de castas autóctones da região, como a Tinto Cão
7 - Fazer enrelvamento – usar plantas junto às bordas para agarrar a terra e amortecer o impacto da pressão da chuva quando cai, diminuindo a velocidade da água na descida da encosta.

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