publicado a: 2018-10-29

Tecnologia. A necessidade aguça o engenho

Como proteger as culturas do calor excessivo e da falta de humidade? Tecnologia, gestão e modernidade são palavras de ordem da produção agrícola em Portugal para acompanhar as drásticas e imprevisíveis alterações climáticas a que os terrenos estão sujeitos.

“O que há a fazer? Pegar na ciência e na tecnologia e arranjar novas técnicas culturais que permitam que o efeito da seca seja menor, mitigar os efeitos das alterações climáticas”, defende o secretário-geral da CAP, Luís Mira.

O aquecimento dos solos e as alterações climáticas pedem medidas urgentes aos agricultores para prevenir e proteger as plantações e culturas de fatores externos.

Mariana Matos, secretária geral da Casa do Azeite, afirma mesmo que mudar “já não é uma questão de opção, é uma questão de sobrevivência”.

A água sempre foi essencial para as culturas e o problema passa hoje pela gestão deste recurso da forma mais sustentável possível, até porque a seca dos solos exige cada vez maior irrigação.

“Em Portugal, o Alqueva é o grande exemplo do que se fez nos últimos anos para combater e mitigar a seca, transformou áreas do Alentejo que eram de sequeiro em regadio, trouxe riqueza, postos de trabalho e desenvolvimento”, explica Luís Mira. O problema é que este “tem 120 mil hectares e o Alentejo tem quase três milhões, portanto é uma pequena parte e é impossível regar tudo”.

Situada no rio Guadiana, na região do Alentejo, a barragem do Alqueva é hoje o maior reservatório artificial de água da Europa Ocidental. Em fevereiro de 2018, o presidente da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), José Pedro Salema, afirmou que 50.000 hectares de regadio adicionais vão ser distribuídos por 13 novos blocos de rega, sete em Beja, cinco em Évora e um em Setúbal.

Além do recurso à barragem do Alqueva no centro do país, “um dos desenvolvimentos mais importantes é a disponibilidade de imensas quantidades de dados sobre as culturas à medida que crescem, com sensores na internet que decidem qual a melhor forma de alimentar as plantas, através da inteligência artificial”, explica ao i Ross Dawson, especialista na análise das mudanças sucessivas no setor alimentar, no âmbito do dia mundial da alimentação, na conferência anual do Food Nutrition Awards 2018.

A inteligência artificial é já uma realidade em vários setores da agricultura, como explica José Palha: “Hoje em dia é uma pratica comum os agricultores usarem sondas que são postas no solo e que medem a quantidade de humidade. O agricultor recebe assim de 15 em 15 minutos uma leitura atualizada da água e rega só quando a planta precisa”.

Há também agricultores que “instalam sistemas de redução de riscos de sol, por exemplo estruturas de redes de ensombramento e anti-granizo, mas extremamente onerosas” e “abrigos altos em todos os terrenos”, conta o presidente da Associação de Produtores de Maçã de Alcobaça. “Drones e robôs, pequenos tratores com um metro quadrado, que depois atuam em grupos que são controlados por um sistema central” também são tecnologias utilizadas.

“Hoje há uma grande resistência às estufas e às estruturas de plástico, mas esta é uma forma de contrariar algumas das alterações climáticas e de alterarmos o ambiente em que as culturas são produzidas através de regadio para combater o calor”, diz Domingos dos Santos. No entanto, o presidente da Associação Nacional de Produtores de Pera Rocha admite que “não há muito a fazer contra as forças extremas da natureza”.

Receitas do tempo dos nossos avós A introdução de tecnologias e de mais sistemas de rega artificial implica também um maior consumo de energia.

“Temos de reduzir ao mínimo o consumo de energia ou aplicar painéis solares” porque “os agricultores pretendem gerir o mínimo de fatores de produção para também reduzir as emissões ao mínimo possível”, explica João Coimbra.

No entanto, nem sempre a necessidade de alterações é proporcional à velocidade com que estas são introduzidas porque, como explica o presidente da ANPOC, Portugal “é um dos países da Europa com trabalhadores agrícolas mais velhos” o que se reflete numa “receita dos tempos dos nossos avós” no que toca à forma como são cuidadas as culturas.

“Creio que os maiores problemas se fazem sentir nas zonas mais tradicionais, com uma agricultura menos profissionalizada”, explica a secretária-geral da Casa do Azeite.

A falta de preparação pode ser um problema e a esperança está nas gerações mais novas. “São as novas gerações, com formação e perceção do mundo e da agricultura diferente do que acontecia há 30 anos, aqueles que estão mais evoluídos, aqueles que têm mais formação, aqueles que são mais novos e que tem uma noção da agricultura e do negocio agrícola diferente. É por isto que o setor agrícola tem vindo a produzir mais e cada vez a exportar mais”, explica Luís Mira.

No entanto, nem tudo é um mar de rosas para os agricultores. “As margens são baixas e temos agora desafios diariamente com os mercados, com os preços dos combustíveis... São tantas as variáveis que obrigatoriamente temos de ser mais eficientes e se não o formos temos de desistir”, esclarece.

A necessidade e a proliferação de novas tecnologias não torna mais fácil introduzi-las no dia-a-dia das culturas. A culpa parece ser, em parte, dos custos da tecnologia.

“Às vezes para fazer grandes mudanças é preciso capital e os agricultores não têm esse capital disponível para grandes investimentos”, explica Domingos dos Santos.

Há que ter também em conta a quebra da produção. Como explica Mariana Matos, “seja por via da menor produção de azeitona seja até por via da destruição de plantações” pela seca ou por tempestades. Isto embora a última década até tenha sido “de um aumento quase exponencial na produção de azeitona / azeite, fruto do enorme investimento neste setor, não só em novas plantações intensivas e superintensivas, como também em novos lagares, modernos e eficientes”, conclui.

Passos no bom sentido Segundo o presidente da CAP, o setor mais evoluído e competitivo em termos científicos é o da vinha, que serve como exemplo para todos os outros.

“As alterações passam por uma gestão criteriosa da água que não se utilize mais do que uma quantidade necessária. Para isso são desenvolvidos sistemas de rega mais evoluídos. As alterações passam também pela “forma como são colocadas as vinhas”. Habitualmente colocadas “no sentido sul para que o sol bata todos os dias, se calhar agora é melhor serem viradas a norte porque elas passam mais tempo à sombra. Há uma adaptação às novas circunstâncias”.

Jorge Soares acrescenta que ”as culturas instaladas e adaptadas a este clima são as hortícolas, as frutícolas e a vinha”.

“Existe ainda muito caminho a percorrer, mas creio que se vão dando alguns passos no bom sentido, e temos já uma nova geração de agricultores muito dinâmica e bem preparada, e o setor do olival é disso um bom exemplo”, conclui Mariana Matos.

A tecnologia é “o caminho, não há outro”. No entanto há que cuidar também da terra e protegê-la, até porque “há uma coisa que não se faz: fabricar mais terra para produzir alimentos”, avisa Luís Mira.

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