Vinhos portugueses a crescer 50% à boleia do turismo
As vendas à porta das quintas são o fator que mais irá puxar pelo negócio do vinho em Portugal nos próximos anos, e em estreita ligação ao enoturismo, segundo os especialistas. O consumo interno de vinho está a crescer, impulsionado pelas compras dos turistas, e já representa mais de 50% das exportações, que valem €800 milhões.
O turismo vai ser "o principal motor do crescimento do sector do vinho em Portugal nos próximos anos", e num crescimento que tem um formato inesperado: as vendas à porta das quintas e das adegas. Esta é uma das primeiras conclusões do estudo que está a ser desenvolvido no âmbito do Projeto CV3 (Criação de Valor na Vinha e no Vinho) pela AESE Business School e a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), com o objetivo de estimular as exportações de vinho português.
As vendas à porta das quintas poderão aumentar em 30% a 50% o valor dos vinhos em Portugal nos próximos cinco anos, mas é algo que requer que os produtores nacionais se organizem neste sentido. Com este objetivo, o Projeto CV3 vai trazer especialistas de Bordéus e da Califórnia para explicar aos produtores portugueses as práticas que estão em curso nestas regiões para potenciar as vendas de vinho aos turistas, numa ação que decorre a 12 de março no edifício da AESE, em Lisboa.
"As vendas nas quintas são cada vez mais relevantes para a indústria do vinho em três pilares complementares: permitem ao produtor contactar diretamente com o comprador sem custos de intermediação e com isto aumentar o valor do produto, permitem também uma experiência de enoturismo em que as pessoas ficam amigas da marca, o que é muito importante no caso dos pequenos produtores, além de envolver o local e o território", explica Ramalho Fontes, presidente da AESE e um dos mentores do Projeto CV3.
Além da AESE e da UTAD, o Projeto CV3 também envolve o Instituto Nacional de Investigação Agrária (INIAV), a Associação de Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID) e a consultora PricewaterhouseCoopers (PwC Portugal).
VINHOS ATRAÍRAM 2,5 MILHÕES DE TURISTAS A PORTUGAL EM 2018
"Temos já alguns exemplos francamente bons de venda de vinhos nas quintas, como o grupo Bacalhoa no Alentejo ou a também a Aveleda, que foi buscar ao grupo Amorim a Paula Sousa, uma pessoa que percebe muito de enoturismo e etá a fazer um trabalho notável", refere o presidente da AESE, frisando tratar-se de uma realidade pouco quantificada a nível nacional.
As Caves do Vinho do Porto, que movimentam 1 milhão de turistas por ano, são aqui uma referência. "É o enoturismo que está mais quantificado, e estamos a falar de turistas que efetivamente compram vinhos", sublinha Ramalho Fontes, chamando a atenção para a dimensão que este mercado atinge e que é pouco conhecida. "A região do Douro deve faturar só com o vinho do Porto cerca de €400 milhões anuais".
O presidente da AESE chama também a atenção para os dados oficiais relativos ao enoturismo e que atingem uma expressão crescente - lembrando que segundo a secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, em 2018 vieram a Portugal 2,5 milhões de turistas com esta motivação (face a 2,2 milhões de enoturistas em 2016), e que "80% dos que nos visitaram afirmaram que a nossa gastronomia e os nossos vinhos os farão voltar". As previsões apontam que em Portugal os enoturistas possam nos próximos anos aumentar os seus consumos em cerca de 20%.
Os turistas em Portugal estão também a dar um contributo crescente ao consumo interno de vinhos - o que tecnicamente não é considerado como exportações, mas na prática refere-se a venda a mercados externos, e 'dentro de casa'. "O consumo interno de vinhos está a crescer, porque os turistas compram muito mais, e já assume um valor que é mais de 50% das exportações de vinhos portugueses, que valem €800 milhões", faz notar Ramalho Fontes.
"PRODUTORES TÊM DE TOMAR CONSCIÊNCIA QUE É PRECISO MUDAR"
O estudo que está a ser desenvolvido no Projeto CV3 deverá ficar concluído até ao final de 2019. "O projeto ainda não fechou, não estamos a apresentar resultados finais, mas a discutir problemas concretos com os protagonistas", frisa o presidente da AESE. "Sabemos que o vinho à porta das quintas vai vender, não temos na bolsa uma solução, mas sim linhas de orientação e sugestões práticas que vamos levar aos produtores nacionais, para que tomem consciência que há coisas que é preciso mudar, para que o sector do vinho em Portugal possa evoluír, e criando valor".
É com este objetivo que a AESE vai promover a 12 de março o seminário "Enoturismo: como crescer e competir", em que se vão apresentar as experiências mais atuais em curso nas regiões de Bordéus, em França, ou de Nappa Valley, nos Estados Unidos. Neste evento, estão previstas apresentações de Catherine Leparmentier Dayot, diretora-executiva da Great Wine Capitals Global Network, sobre "A experiência europeia no enoturismo", e de Clay Gregory, presidente da Visit Nappa Valley Organization, que falará a partir da California por transmissão vídeo. Entre os principais oradores também se inclui Damià Serrano, da Universidade de Barcelona.
"Ao princípio queríamos fazer só um estudo e apresentar resultados finais", refere o responsável do Projeto CV3. "Mas deixou de ser só um estudo, passou a ser um projeto estratégico e de âmbito nacional, em que discutimos problemas concretos com os protagonistas, produtores e demais pessoas que trabalham neste sector, e vamos produzindo resultados parciais".
Segundo Ramalho Fontes, "tal como na natureza, o sector da vinha e do vinho em Portugal tem de se organizar como um ecossistema, em que todos colaboram, e a palavra-chave aqui é simbiose". Frisa que o potencial de cooperação no campo do enoturismo é imenso, a começar pelas rotas dos vinhos. "Se a rota do Alentejo funcionar em estreita ligação com a rota do Douro, todos podem beneficiar e acrescentar valor com esta colaboração, e isto é só um exemplo", faz notar.
"Rotas mais amplas também são importantes para os pequenos produtores poderem beneficiar do chamado enoturismo de luxo, em que o turista de alto poder de compra chega às quintas de helicóptero", frisa o responsável da AESE, sustentando que "o luxo também tem de gerar volume em todo o ecossistema do vinho, para que a criação de valor não seja tão desproporcional entre as empresas e possa beneficiar os mais pequenos".