Agroindústria testa novas soluções para compensar escassez laboral
A cerca de 100 quilómetros de Silicon Valley, Salinas é o epicentro das experiências com novas tecnologias no mercado agrícola, que vão desde a irrigação ao desbaste autónomo. A escassez de mão de obra agrícola está a impulsionar a automação e a criação de robôs que podem fazer colheitas, e outras operações, em culturas onde, até agora, era impensável pensar em mecanização.
Para cada dez vagas de emprego no mercado agrícola da Califórnia, há apenas sete trabalhadores disponíveis para se apresentarem ao serviço. O grande Estado da Costa Oeste, que fornece um terço dos hortícolas e dois terços de toda a fruta consumida nos EUA, tem mais de 400 culturas ao longo de um território de geografia diversa. Mas o problema da escassez de trabalhadores, emparelhado com a necessidade de aumentar a eficiência das propriedades agrícolas, está a incentivar uma nova geração de startups dedicadas à modernização no terreno. E a inovação que liga Silicon Valley às quintas do vale central, onde muitos dos proprietários são lusodescendentes, poderá modificar radicalmente a indústria agrícola do futuro.
Um robô para remover ervas daninhas
É isso que a FarmWise está a tentar fazer com um novo robô autónomo que faz desbaste e remove ervas daninhas sozinho. A empresa, sediada em São Francisco, levantou 5,80 milhões de euros de financiamento, há ano e meio, para levar o conceito para o terreno e isso vai acontecer já este ano, fruto de uma parceria com a fabricante Roush, no Michigan, que irá produzir os primeiros 12 veículos autónomos nos próximos meses. Em 2020, a intenção é produzir em escala.
A ideia é substituir herbicidas, reduzir o número de trabalhadores necessários e aumentar o rendimento do cultivo com um veículo de grande dimensão, alimentado a inteligência artificial e visão por computador, que se desloca de forma autónoma. Segundo a Farm Wise, um grande benefício destes veículos robóticos é que podem trabalhar sem parar, 24 horas por dia, e serem adaptados a culturas diferentes. Um cenário prometedor que explica porque é que a FarmWise é uma das startups mais cotadas do Centro de Tecnologia e Inovação da Western Growers Association, que não só montou uma incubadora para inovações na indústria agrícola, mas acaba de lançar uma iniciativa para juntar investidores, agricultores, autoridades locais e especialistas, de forma a acelerar a chegada ao mercado de novas soluções. O Centro está localizado em Salinas, uma região agrícola que é considerada um “hub” de inovação na Califórnia e onde existem várias propriedades agrícolas de lusodescendentes, como é o caso da Costa Farms.
“Estamos a impulsionar uma nova iniciativa para acelerar o ritmo da automação da colheita, juntando todos os interessados que podem afetar o resultado”, explica à VIDA RURAL Dennis Donohue, diretor do Centro de Inovação e Tecnologia da Western Growers Association. “Há aspetos da tecnologia que, para conseguir ganhar escala e acelerar as soluções, é preciso trabalhar com novos players. O mundo da indústria agrícola é grande, com muitos produtores e players. Para conseguir atingir os objetivos da automação é preciso alinhar e juntá-los a todos”. O esforço, reconhece, é grande e difícil, o que explica porque é que a chegada de robótica e alta tecnologia à indústria tem sido mais lenta que o esperado.
“Temos uma força de trabalho envelhecida e a diminuir, em termos de números disponíveis. Aquilo que a agricultura será no futuro dependerá das soluções que arranjarmos”, considera. É uma situação semelhante à que se verifica em Portugal e nos congéneres europeus, na verdade. O futuro, diz, passará por substituir humanos nas tarefas repetitivas, duras e até perigosas. “Pensamos que haverá oportunidades para pessoas mais qualificadas na quinta”.
Agrobot vai colher morangos dentro de quatro anos
No entanto, o que Donohue sublinha é que os agricultores não podem ser ‘early adopters’ e investir em soluções que não estão comprovadas. “Às vezes, as pessoas dizem que os agricultores são lentos a aderir, mas porque é que o ónus está do lado deles? Os agricultores investem em algo quando está pronto. Se ainda não chegou ao ponto de poder ser adotado, não se investe”, afirmou. A Western Growers tem servido como ‘concierge’ entre startups que querem testar produtos e agricultores interessados neles.
Neste momento, as culturas como maçãs, morangos e alface-romana são aquelas onde há maior concentração de recursos e investimento, dada a sua delicadeza e o facto de requererem muitos trabalhadores – algo que escasseia. A colheita de alface por jato de água é um dos métodos que está em crescendo, com a fabricante KMT a liderar o segmento.
Nos morangos, a marca Driscoll’s – uma das maiores no mercado norte-americano – está a trabalhar num robô de colheita, denominado Agrobot. A expectativa é que esteja a trabalhar nos campos, assistindo os trabalhadores humanos, dentro de quatro anos.
Uma solução para as framboesas e as amoras está mais longínqua. Bryan Little, diretor de emprego da California Farm Bureau Foundation, adverte que a mecanização da colheita é difícil neste tipo de cultivos, incluindo mirtilos e cerejas, muito produzidos na Califórnia. No entanto, revela, há soluções auxiliares que estão a ser experimentadas.
Menos trabalhadores, menos riscos agronómicos
“As máquinas que tenho visto são relativamente simples. As mais comuns são pequenos robôs usados para agarrar, levantar e movimentar vasos e contentores, para que os trabalhadores não tenham de o fazer”, revela. Uma das vantagens é o menor número de trabalhadores que são precisos e a redução da exposição dos mesmos a riscos ergonómicos: “Quando é preciso pegar em três ou quatro vasos ao mesmo tempo, o movimento com o polegar representa um risco de problemas no túnel do carpo”, explica Little. “Estes robôs podem fazer trabalhos dos humanos que representam esses riscos”.
Na colheita do morango no Pajaro Valley, por exemplo, podem ser instalados transportadores móveis. “Os trabalhadores têm de encher os baldes de morangos e transportá-los de um lado para o outro, e tem havido interesse em tecnologia de transporte mecânico que vai até ao trabalhador buscar o balde”, diz Little. Isso poupará muitos passos e tempo, permitindo aos trabalhadores serem mais produtivos. “Esse tipo de sistemas e mecânica de assistência, que não é nada espalhafatoso, nem algo em que o Elon Musk estará interessado, pode ser muito útil a muita gente”, refere o responsável.
O diretor indica, tal como Donohue, que, perante a escassez de mão de obra, é preciso substituir este tipo de tarefas e redirecionar as pessoas para funções que são mais produtivas. E isso não é só na altura da colheita. Melhores sensores, robôs que pegam em baldes e transportadores móveis “permitem libertar os humanos” para fazerem tarefas de valor acrescentado.
“Há muitas tarefas que podem ser mecanizadas que estão mais relacionadas com a plantação que com a colheita”, explica Little. “Tem havido muitos esforços em Salinas em torno do desbaste e da eliminação de ervas daninhas para plantações como alface e culturas de folha verde, usando tecnologias de aquisição visual a laser para saberem onde estão as plantas que querem salvar e onde estão as ervas daninhas”, indica. É o campo da Blue River Technologies e da FarmWise. “A tecnologia de visualização permite distinguir entre as ervas daninhas e as plantas que querem salvar”.
No caso da Blue River Technologies, uma startup promissora adquirida no ano passado pela gigante John Deere, a inovação está em máquinas inteligentes para o terreno, que usam visão por computador e inteligência artificial para detetar problemas e tomar decisões planta a planta, de forma automática. Ainda não estão no mercado, mas antecipa-se que tal esteja para breve, e a solução vai para lá das ervas daninhas e doenças da planta. É uma espécie de visão holística, controlada centralmente.
Tempestade perfeita: a inovação vai acelerar
Em maio, a California Farm Bureau Foundation publicou uma investigação conduzida em parceria com a Universidade Estadual da Califórnia, Davis, para perceber como os agricultores estão a lidar com a falta de trabalhadores. De um total de 1071 respondentes, mais de metade (56%) disseram ter começado a investir em tecnologias para substituir humanos no terreno. A escolha mais frequente (27%) recai sobre máquinas de colheita mecânica, sendo que 25% diz estar a adicionar componentes especiais aos tratores. Em 33% dos casos, foram referidas tecnologias específicas a cada quinta e cultivo; outras soluções vão da correia transportadora à plataforma de empacotamento no terreno.
Segundo a organização, há também interesse em automatizar tarefas que estão a ser ignoradas, porque não há gente suficiente, como a poda das videiras. “O resultado é que tem impacto negativo na qualidade das uvas de vinho”, refere Little. “A poda permite maior exposição à luz solar, o que evita o mofo. Poder mecanizar essa tarefa é melhor que o uso de químicos e tem havido interesse no desenvolvimento de energia pneumática direcionada, isto é, ar comprimido para afastar as folhas em torno dos cachos”.
Todos os agricultores estão interessados, nalgum nível, adianta o responsável, mas alguns têm mais capital disponível para fazer experiências. Um dos fenómenos anotados é que há agricultores a modificar as plantas e vinhas existentes para permitir que sejam colhidas mecanicamente, por exemplo. “Tem sido comum com algumas variedades de uva para vinho e a utilização de máquinas com dedos de borracha que rodam”, adianta Little. “O uso deste tipo de máquinas aumentou de forma significativa por causa da escassez de trabalhadores”.
A questão, como frisa Dennis Donohue, é que “não há nenhum robô que possa fazer todo o tipo de colheitas” e não se antecipa que venha a haver. No entanto, é importante concentrar esforços: “Muitas culturas a trabalhar juntas podem criar sinergias e eficiências, que impulsionarão mais tecnologia e dinheiro e beneficiará toda a gente.”
É por isso que o Centro de Inovação está aberto a startups de todo o mundo, e inclusive já recebeu a visita de um grupo oriundo de Portugal. “Se quiserem entrar no mercado americano, podem vir ao centro da Western Growers, que é um ponto de acesso para escalar”, frisa. “Queremos pessoas que têm produtos e serviços interessantes para o mercado”, acrescenta, “porque as boas ideias vêm de todo o mundo”. As startups não têm sequer de apresentar fontes de receita, mas apenas ter protótipos para mostrar aos agricultores.
Tal não se limita a auxílio na plantação e na colheita. Bryan Little aponta para coisas simples, que nunca foram feitas “porque a tecnologia não existia”. Um dos exemplos que refere é o do controlo centralizado de sistemas fixos de rega. Sendo que muitos cultivos usam rega gota a gota, as válvulas e sistemas de distribuição da água são controlados por humanos, que percorrem os campos a abrir e a fechar válvulas. “Essas válvulas têm agora atuadores que são controlados por telefonia móvel e sistemas computorizados, com uma pessoa a fazer o trabalho de seis”, refere o responsável.
A WaterBit, por exemplo, fornece um dispositivo chamado Carbon que se coloca no terreno e é alimentado a energia solar. Conecta sensores e válvulas, recolhe dados e é gerido no smartphone, permitindo uma monitorização contínua. Já a RootsTalk desenvolveu um sistema que oferece o que chamam de “Irrigação como Serviço”, com um controlador autónomo.
No global, Dennis Donohue acredita que está a formar-se uma tempestade perfeita e que as soluções vão acelerar. “Os morangos são um bom exemplo de uma cultura que exige muitos trabalhadores, e há agora uma cooperação sem precedentes nesta indústria, com vários players a trabalhar no problema”, refere. “Qualquer cultura de elevado valor sabe que o trabalho é um problema, quer do lado da oferta, quer do aumento dos custos, por causa da subida do salário mínimo.” Ainda há muita gente nos campos e o futuro está a ser trabalhado agora, afirma. “As culturas que geram grandes volumes e elevado valor são onde a automação vai ocorrer mais depressa”.