Como os metais tóxicos na agricultura prejudicam os produtores e os consumidores
A contaminação do solo e da água por metais tóxicos constitui um grave problema para a agricultura, prejudicando os produtores com a perda de produtividade das plantas afetadas; e os consumidores, com efeitos danosos que o consumo dessas plantas pode acarretar para a saúde.
As várias facetas do problema foram estudadas em profundidade pelo projeto temático "Stress oxidativo induzido por metais: novas abordagens". Desenvolvida ao longo de cinco anos, de 2010 a 2015, a pesquisa teve o apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).
“Os dois metais que estudámos foram o alumínio e o cádmio. E a planta eleita para a nossa investigação foi o tomateiro”, disse o investigador responsável pelo projeto, Ricardo Antunes de Azevedo, professor titular da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
“Diferentemente do que ocorre com o zinco, o níquel e outros metais, o alumínio e o cádmio não são utilizados pelos seres vivos como nutrientes”, afirmou o investigador.
“Pelo contrário, a sua toxicidade prejudica as plantas de várias maneiras - por exemplo, inibindo o desenvolvimento radicular e assim, diminuindo a absorção de água e nutrientes pelas raízes. As consequências podem ir da diminuição da produtividade até a morte das plantas.”
A grande quantidade de alumínio é uma característica natural da crosta terrestre. Ele é, de facto, o elemento metálico mais abundante da crosta.
Como a hidrólise do alumínio produz iões de hidrogénio, a forte presença desse metal constitui um dos principais fatores de acidificação do solo.
“Em pH neutro o alumínio é geralmente inofensivo mas, em solos ácidos, pode ter um impacto muito negativo no desenvolvimento das plantas”, informou Azevedo.
O cádmio também é encontrado, mas em quantidades muito menores. Nesse caso, a sua presença deve-se principalmente à poluição ambiental decorrente de fatores antrópicos, como por exemplo, a mineração desse metal e a fabricação e descarte de produtos derivados, como pilhas de níquel cádmio, pigmentos etc.
“O grande problema em relação ao cádmio, que pode estar presente no solo ou na água de irrigação, decorre do fato de que ele é facilmente absorvido e acumulado pela planta mesmo quando em concentrações muito baixas no ambiente. E, se essa planta vier a ser utilizada por animais ou seres humanos, o metal tóxico poderá eventualmente chegar ao organismo do consumidor”, informou o investigador.
Um aspecto muitas vezes negligenciado e apontado pelo estudioso é que a contaminação por cádmio pode ocorrer mesmo quando a planta não é diretamente ingerida.
É o caso, por exemplo, do tabaco. As folhas da planta acumulam cádmio e, durante a queima, o metal é eventualmente transferido ao consumidor por meio do sistema respiratório. Pesquisas demonstraram que a concentração de cádmio tende a ser maior em fumantes do que em não fumantes.
Produtividade das culturas
Além dos danos potenciais à saúde dos consumidores, a contaminação por cádmio pode comprometer também a produtividade das culturas, devido principalmente ao stress causado nas plantas.
“As plantas sofrem dois tipos de stress: abióticos, provocados por metais, falta de água, excesso de temperatura etc.; e bióticos, provocados por patógenos. Faz parte do metabolismo celular normal, a produção de espécies reativas de oxigênio (EROs). Mas há um mecanismo de autorregulação que mantém essa produção abaixo do patamar crítico. Em situação de stress, porém ocorre um desequilíbrio e a produção de EROs torna-se muito maior. Dependendo do nível, isso pode levar até mesmo à morte da planta” explicou Azevedo.
A pesquisa abordou a questão por vários ângulos. Especialmente interessante foi o estudo feito com a técnica de enxertia. “Trata-se de uma técnica bastante antiga e muito disseminada na agricultura. Utilizamos a enxertia para entender como uma parte da planta, contaminada por cádmio, sinaliza para a outra parte, não contaminada, que está em stress”, disse o investigador.
Na enxertia, o porta-enxerto é constituído pela raiz e base do caule; a ele é acoplado o enxerto, composto pela parte aérea da planta. O procedimento adotado no estudo foi cultivar plantas na presença do metal e plantas sem a presença do metal e depois fazer a enxertia recíproca.
“Em outras palavras, trocamos as partes de cima das plantas, conectando ao porta-enxerto contaminado, o enxerto não contaminado e ao porta-enxerto não contaminado ,o enxerto contaminado. A ideia é simples, mas sua realização prática exigiu um grande número de controles, pois o próprio processo da enxertia já constitui um stress para a planta, mesmo que temporário”, afirmou Azevedo.
O resultado foi publicado no artigo Cadmium stress antioxidant responses and root-to-shoot communication in grafted tomato plants, na revista Biometals .
A conclusão foi que ocorre a sinalização do estresse tanto num sentido como no outro. Não apenas o metal da raiz é transportado para a parte aérea (o que era de esperar, apesar da quantidade transportada variar), mas também o metal da parte aérea é transportado para a raiz (e este não era um resultado intuitivo).
Outro tópico importante explorado pela pesquisa foi a genotoxicidade. No caso específico, tratou-se de investigar o efeito do metal tóxico na estrutura dos ácidos nucleicos da planta. Isto é, se o cádmio se ligava ou não ao ADN e, caso a resposta fosse positiva, que consequências resultariam disso.
“Verificámos que sim, o cádmio altera bastante a taxa de divisão celular e provoca uma série de aberrações nos cromossomas. Entre elas, a formação de quebras e pontes durante a mitose – o processo de divisão celular. Isso ocorre mesmo em concentrações muito baixas do metal. Estas não provocam nenhuma manifestação visível de que a planta esteja em stress, mas as alterações intracelulares são muito expressivas”, declarou o investigador.
As consequências do efeito dos metais dependem de uma série de variáveis. Uma delas é o tipo de cultivar exposto ao metal. Há umas mais tolerantes e outras menos.
Ou seja, existe uma diversidade de mecanismos envolvidos, que podem modificar a taxa de absorção do cádmio pela planta ou reduzir o efeito do metal uma vez absorvido.
Por isso, o projeto também envolveu a mutagénese e a seleção de mutantes mais tolerantes. Para o produtor, a compreensão de tais mecanismos possibilita que estes sejam explorados em programas de melhoramento, com vistas a obter plantas mais resistentes. Mas, para o consumidor, o consumo de uma planta mais resistente pode até mesmo significar, eventualmente, a absorção ainda maior do metal tóxico.
“Para um consumo totalmente seguro, seria preciso saber se o solo ou água utilizados no seu cultivo estavam ou não contaminados, e estando, em que parte da planta se acumulou o metal, se naquela que será consumida ou naquela que será descartada. Há uma grande quantidade de fatores, o que torna o estudo bastante complexo”, ponderou Azevedo.
Por isso, outra vertente do projeto temático foi exatamente estudar o processo de fitorremediação, isto é, de recuperação de solos contaminados mediante o cultivo de espécies vegetais altamente resistentes capazes de absorver e assim, retirar os metais pesados do ambiente.
São plantas como a Dolichos lablab, que acumulam grande quantidade de cádmio sem ter o seu desenvolvimento afetado, podendo ser utilizadas como fito-estabilizadoras de cádmio.
No total, o projeto temático já ensejou mais de 50 artigos em publicações especializadas e há vários outros em processo de elaboração. Toda a experimentação foi realizada em estufa, em plantios no solo ou em sistema hidropónico.
O tomateiro foi escolhido por ser uma planta-modelo em genética, com grande quantidade de variedades e grande quantidade de mutantes. Além disso, uma das variedades dessa espécie, o tomate-cereja miniatura, que produz uma planta de pequeno porte e frutos pequenos, tem um ciclo de vida muito curto, ao redor de 90 dias, o que constitui uma grande vantagem para a prática experimental.
Finalmente, o tomate é um produto economicamente importante, consumido em larga escala no mundo inteiro, tanto in natura como por meio de derivados.
Fonte: Revista Exame