Água doce do mundo está sob ameaça, dizem investigadores
O abate, a poluição, a agricultura e a construção de hidreléctricas estão a ameaçar os rios da Amazónia, que formam a maior bacia de água doce do mundo. A afirmação é do investigador da universidade americana Virginia Tech, Leandro Castello. «A degradação dos rios vai afectar as populações locais, e isso tem sido observado em outros lugares do mundo. Está a acontecer no rio Mekong, no Vietname, e no rio Ganges, em Bangladesh. E será o futuro da Amazónia, caso nada seja feito», diz.
Na visão do cientista, não há uma estrutura ou política de manejo adequada às bacias hidrográficas da região. «A previsão é infeliz e esse quadro só tende a piorar. O Brasil tem sido pioneiro em questões terrestres e de preservação das florestas, mas em relação aos rios da Amazónia, nada está a ser feito», diz.
«Os corpos de água doce do mundo estão em profundo risco. Então, é claro que a Amazónia não fica fora, pois também acaba por ser contemplada com um enorme conjunto de problemas que afecta a bacia hidrográfica», diz a cientistado Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), Maria Teresa Fernandez Piedade.
Os sistemas de água doce são os mais degradados do mundo. E muitos deles já não são como antigamente graças à acção do homem. Na Amazónia, por exemplo, a pesca excessiva levou algumas espécies à extinção. O tamanho dos peixes também diminuiu ao longo dos anos.
Segundo a cientista do Inpa, estudos realizados pela entidade apontam que, das últimas décadas para cá, as cheias e as secas estão cada vez mais intensas e severas naquela região. «Isso indica que as mudanças climáticas já podem estar a fazer sentir-se nestes sistemas», sugere Maria.
Para Castello e Maria, os problemas da Amazónia não estão restritos à região norte do país. «Se os rios secam, o transporte de grãos como a soja, que é exportada, pode ser comprometido, impactando a economia nacional. A seca nos rios também afecta a produção de energia eléctrica em represas como Belo Monte. Se essas barragens param, o Sul e o Sudeste podem enfrentar apagões», lembra Castello.
Já os efeitos do desmatamento em larga escala, seja para o extrativismo madeireiro ou para propósitos agrícolas, pode mudar o balanço hídrico do território, que é ligado ao de outras regiões, lembra a pesquisadora do Inpa. Maria Victoria Ramos Ballester, do Centro de Energia Nuclear (Cena) da USP, campus Piracicaba, lembra a importância da Amazónia para outros países. «A Amazónia tem um papel importante na redistribuição da umidade, não só no Brasil, mas na América Latina. Trata-se de um sistema de circulação regional», destaca.
Outro estudo, que envolve cientistas brasileiros e americanos, aponta numa direção semelhante. A pesquisa irá analisar três eventos extremos que ocorreram na Amazônia na última década a fim de prever o impacto das mudanças climáticas e do desmatamento no ecossistema da região. A investigação receberá um milhão e meio dólares da Nasa, a agência espacial americana. Participam do estudo pesquisadores da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), e das federais de Alagoas (Ufal) e Rio Grande do Norte (UFRN).
A previsão do estudo em relação à ocorrência de eventos extremos é negativa. «Acreditamos que as mudanças climáticas irão, no futuro, contribuir para enchentes e secas cada vez mais severas e frequentes», afirma Michael Cohe, um dos cientistas envolvidos no projecto. Noutras palavras, secas como as de 2005 e 2010, e a enchente de 2009, que ocorreram na Amazónia, poderão tornar-se cada vez mais comuns. Para Maria, este e outros trabalhos revelam «a preocupação com a manutenção da integridade desta imensa bacia hidrográfica».
Outro ponto que preocupa os cientistas é a construção de represas e hidreléctricas. «Isso só vai piorar os efeitos das mudanças climáticas e do abate», aponta Castello, que lidera a investigação feita em parceria com pesquisadores brasileiros. Segundo ele, o abate de árvores em larga escala faz com que chova menos e a região fique seca. «Isso pode fazer com que a floresta da Amazónia se transforme numa floresta de cerrado», prevê.
Fonte: Diário Digital