Como o vinho de Borba chegou ao Tribunal Europeu e pode obrigar a mudar rótulos em Portugal
João Portugal Ramos e um grupo de produtores do Alentejo contestaram uma marca da Adega Cooperativa de Borba. O caso foi saltando de recurso em recurso até chegar ao Luxemburgo
No mundo do vinho, não se pode usar o nome de Borba em vão. Pelo menos é o que se depreende de uma das últimas sentenças do Tribunal de Justiça da União Europeia, a recusar o registo da marca adega.borba.pt, no centro de um conflito entre um grupo de produtores do Alentejo, liderado por J. Portugal Ramos, e a Adega Cooperativa de Borba.
Mais: fontes do sector dizem ao Expresso que esta decisão pode ter mais implicação na rotulagem de vinhos em Portugal, porque há muitas marcas com referências a regiões ou a localidades que se confundem com regiões vitivinícolas. No entanto, como a decisão do Tribunal Europeu só foi conhecida esta quinta-feira, todos consideram ser ainda prematuro falar do tema. É preciso dar tempo aos advogados, dizem.
No acórdão divulgado esta semana, o Tribunal Europeu contraria a estratégia da Adega Cooperativa de Borba, considerando que o registo da marca 'adega.borba.pt' deve ser recusado. Designa produtos vinícolas e inclui um nome geográfico com um termo (adega) utilizado para designar as instalações onde se faz esse produto (vinho), justifica.
Na argumentação, o tribunal considera que esta marca fica “desprovida de caracter distintivo”, o que significa, na prática, que serviria para descrever muitos outros produtores com adegas em Borba, a segunda maior sub-região do Alentejo, a seguir a Reguengos.
O Tribunal de Justiça da União Europeia responde assim, diretamente, a um pedido do Supremo Tribunal de Justiça para esclarecer os critérios que deviam ser utilizados na aferição da validade da marca. Mas a sentença deve também ser válida para outros processos sobre o registo de marcas do mesmo género, até porque neste caso há pelo menos 5 processos de registo que incluem a referência Adega de Borba, ainda pendentes de decisão no Instituto Nacional de Propriedade Industrial.
O Tribunal Europeu, que tem funções interpretativas e harmonizadoras, terá sido chamado a pronunciar-se neste caso porque o Supremo Tribunal de Justiça teve dúvidas quanto à correta interpretação das normas aplicáveis, derivadas de diretivas europeias e que, por isso, devem ser aplicadas da mesma forma em todos os estados membros.
E nesta decisão, esteve alinhado com o Instituto Americano de Propriedade Industrial que há mais de dois anos colocou exatamente a mesma objeção ao registo da marca Adega de Borba nos EUA.
"UMA OPÇÃO NATURAL"
No caso concreto da disputa entre João Portugal Ramos e outros produtores alentejanos e a Adega Cooperativa de Borba há já vários processos relativos a pedidos de nulidade de marcas e logotipos com base no carater “meramente descritivo” e não diferenciador da expressão que junta uma referência ao local onde se faz e armazena o vinho e uma indicação geográfica protegida.
Em causa estará uma estratégia da Adega Cooperativa de Borba de construção de marca sem a referência a cooperativa, mas que destaca a referência à denominação geográfica. “Foi uma opção natural que corresponde ao que o próprio consumidor já dizia”, explica ao Expresso o presidente da Adega Cooperativa de Borba, João Matos Barroso, evitando mais comentários por “desconhecer a evolução da situação” e a sentença do Tribunal Europeu.
Sobre a marca no centro deste conflito, “já antigo”, diz ser um registo “marginal e em desuso” na prática daquela Adega Cooperativa, correspondente apenas a vendas de bag-in-box.
No diferendo, a outra parte alega que as marcas visadas não permitem a quem compra o vinho diferenciar o produtor concreto de outros produtores que também têm adegas em Borba e produzem e comercializam vinhos de Borba.
E para chegar a este ponto, o grupo João Portugal Ramos e os produtores que o acompanham nesta disputa já intentaram ações no Tribunal de Propriedade Intelectual e no Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de recurso de apelação. Nos dois casos, a decisão não lhes foi favorável, pelo que houve novo recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça e o caso chegou ao Tribunal Europeu.