Criadores de gado já se debatem com falta de água e de pasto
Ministério da Agricultura reprovou candidatura que solicitava financiamento para aumentar o volume útil de armazenamento de água numa pequena albufeira. E não dadas autorizações para novos furos.
Os criadores de gado no Sul estão a começar a sentir problemas para conseguir matar a sede aos seus animais. No entanto, o Governo não está a permitir nem a abertura de furos nem apoia aumentos na capacidade das pequenas albufeiras, apesar de nas medidas de combate à seca estar previsto o apoio à construção de açudes e charcas para assegurar o abeberamento dos animais. Os agricultores dizem que agora só lhes resta esperar que chova.
Um produtor pecuário com a sua exploração localizada em Serpa, apresentou em Setembro de 2019 uma candidatura ao Programa de Desenvolvimento Rural-PDR 2020, julgando ser possível a aprovação de um financiamento de 48 mil euros para aumentar a capacidade de armazenamento de uma pequena barragem que instalou há 14 anos. Nos esclarecimentos que prestou ao PÚBLICO, sob anonimato, o produtor de bovinos explicou que “os invernos em que chove deixaram de ser uma certeza”, colocando a “imperiosa” necessidade de aumentar a capacidade de armazenamento em albufeiras para suprir a escassez de água nos períodos de estio.
O fenómeno que se vem agudizando, sobretudo desde meados dos anos 90, passou a exigir “maiores volumes de água em charcas e pequenas barragens”, evitando “o recurso a novas captações e consequentemente mais impactes ambientais negativos”, reforça o empresário agrícola. Acresce que sua exploração fica num território sistematicamente afectado pela fraca pluviosidade, Verões quentes e secos, secas cíclicas e falta de água.
O projecto que apresentou propunha a limpeza e aprofundamento do leito da albufeira numa área com 5.000 metros quadrados (metade da área de armazenamento) e a construção de um pequeno muro de betão no descarregador já existente, com 50 centímetros de altura. Com estes dois melhoramentos, seria possível “aumentar o armazenamento de água em mais 10.000 metros cúbicos, que viria a acrescer à capacidade actual de 25.000 metros cúbicos de água.
A sua candidatura foi apresentada no contexto das medidas de combate seca mas teve parecer desfavorável por não cumprir objectivos da medida que financi] projectos que visam a captação, distribuição e armazenamento de água, entre as quais se encontram incluídas a construção de açudes e charcas, para assegurar o abeberamento de animais. Os gestores do programa PDR 2020 alegaram que a candidatura “não foi aceite dado que (…) os investimentos em construção de barragem (como foi considerada a proposta apresentada pelo produtor pecuário de Serpa) não são elegíveis”.
O empresário diz ter ficado surpreendido com a decisão “uma vez que o aumento do armazenamento de água nas explorações para resistir a secas vindouras era o principal objectivo da intervenção numa barragem já construída, onde o impacte ambiental era praticamente nulo”. Por outro lado, salienta que o termo charca “é utilizado para descrever um reservatório de regularização hidroagrícola, utilizado para o armazenamento de água, podendo ser equiparado a pequenas barragens”.
Com as chuvadas de Dezembro, o cenário de escassez de recursos hídricos foi atenuado. Mesmo assim, e apesar de se ter verificado um “desagravamento significativo da situação de seca meteorológica”, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) deu conta que em “alguns locais do Baixo Alentejo e Algarve ainda existem valores inferiores a 40% nas reservas das albufeiras”.
O presidente da Associação de Agricultores do Campo Branco, José da Luz, referiu ao PÚBLICO que a reserva de água na região “continua complicada porque a chuva não foi excessiva”. Não só as reservas nas albufeiras continuam em situação crítica, sobretudo na bacia do Sado, como a escassez de pastos obriga os agricultores a “alimentar os animais à mão” quando, nesta altura do ano, “já deveríamos ter o gado a comer à boca cheia com erva do campo”.
José da Luz destacou a importância de se terem instalado, ao longo dos últimos 20 anos, no Campo Branco (região que abrange os concelhos de Castro Verde, Mértola, Almodôvar, Ourique e Aljustrel) uma rede de charcas e furos que permitem, na actual circunstância, “assegurar o abeberamento dos animais”. No entanto, a actual orientação do Ministério do Ambiente vai no sentido de colocar “restrições” à possibilidade de fazer furos para captação de água em zonas do Alentejo e do Algarve devido à seca. “Temos de encontrar, com os agricultores sobretudo, novas soluções para o abeberamento de gado”, justificou Matos Fernandes.
Em declarações prestadas à Radio Voz da Planície, de Beja, o presidente da Federação das Associações de Agricultores do Baixo Alentejo (FAABA), Rui Garrido, reprova as afirmações do ministro, considerando-as “estranhas”, por surgirem num contexto em que os produtores pecuários “já vivem situações dramáticas” que os obriga a recorrer a aldeias vizinhas para dar água ao gado. Com as “restrições” que o ministério do Ambiente pretende impor à abertura de furos, só resta aos agricultores esperar que “chova mais do que tem chovido”, observa o presidente da FAABA.
Ao PÚBLICO, o Ministério do Ambiente adiantou que durante a sexta reunião da Comissão Permanente da Seca (CPS), realizado a 20 de Novembro de 2019, prevaleceu a “incerteza” sobre a evolução da meteorologia nos tempos mais próximos. Assim, e face às disponibilidades hídricas armazenadas no mês passado, foi determinada “a suspensão da emissão de títulos de novas captações de água subterrânea para uso particular”. Os processos em curso ficaram a aguardar decisão até que se garantam os volumes necessários para o abastecimento público (considerando as disponibilidades superficiais e subterrâneas) em 10 massas de água: duas na bacia do Guadiana (Elvas – Campo Maior e Moura – Ficalho) e oito na região do Algarve (Querença – Silves; Albufeira – Ribeira de Quarteira; Peral – Moncarapacho; Almancil – Medronhal; São João da Venda – Quelfes; Almádena – Odeáxere; Quarteira e Campina de Faro), dado que são “estratégicas” como reservas para o abastecimento público, justifica a tutela.