Agricultura familiar. Do vaso de salsa na varanda às hortas cheias de legumes
João explica que a recompensa vem do dinheiro que poupa, mas principalmente da satisfação que retira de cuidar do que é seu: “Antes comprava o alho francês já cortado, a cenoura descascada. Agora dá mais trabalho, mas muito mais prazer”, garante o rapaz de Lisboa.
O reconhecimento do sector agrícola como a forma mais sustentável de assegurar a alimentação do planeta foi o mote para que 2014 fosse eleito pela ONU o Ano Internacional da Agricultura Familiar. O âmbito é mundial, mas em Portugal o seu reconhecimento como área de futuro já se faz notar. Para a ministra da Agricultura, o país deve manter a aposta neste sector, em que todos são necessários, “dos mais novos aos mais experientes, das pequenas às grandes explorações”. Comum a todas está associada a sustentabilidade ambiental, não só para cumprir a legislação, mas também porque quem regressa à pequena agricultura o faz para poupar dinheiro e diminuir o impacto ecológico da produção alimentar.
João Bexiga explica que na horta onde tem a sua produção se recorre apenas a agricultura biológica, mas que já se viu obrigado a recorrer a produtos químicos. “Começamos por aplicar sabão azul e branco nas plantas para impedir as pragas, mas às vezes não é suficiente”, lembrando que “vai na volta temos de recorrer aos químicos que matam a lagarta”. Já Graça Marques, que vive em Oeiras, consegue recorrer apenas a mezinhas para evitar as pragas que invadem a sua pequena horta. “Colocar um recipiente com cerveja junto das plantas evita a aproximação de caracóis e pulgões”, conta. Aos 55 anos e com uma vida dedicada à engenharia de telecomunicações, Graça viu-se obrigada a ler muitos livros e pesquisar em sites da especialidade para conseguir montar uma horta de raiz. Se inicialmente o espaço era pequeno e composto pelas ervas mais consumidas pela família – cidreira, salsa, coentros, cebolinho e tomilho – agora expandiu-se, dando espaço a nabos, courgettes, tomates. “Já comi as primeiras batatas da minha horta”, diz com orgulho. Foi a entrada na pré-reforma este ano que lhe deu mais tempo para se dedicar ao que lhe dá mais prazer. “Trabalhar na horta relaxa-me, funciona quase como um anti-stressante”, conta. Aliada a isso surge a preocupação com a poupança familiar nas compras e o cuidado com a natureza. “Todos podemos ser mais sustentáveis. Ter uma pequena horta é sinónimo de poupança de dinheiro e produção própria”, lembra.
O regresso dos portugueses à pequena agricultura já fez aumentar o número de inscritos nas formações organizadas pela Agrobio – Associação Portuguesa de Agricultura Biológica. Nelson Silva, técnico da associação, explica que a formação prática ou o recursos a livros sobre o tema são fundamentais para quem quer começar. “Existe uma recuperação da paisagem agrícola”, explica, lembrando os tradicionais minifúndios, que mais recentemente passaram a espaços ainda mais reduzidos, como hortas ou varandas. Para evitar erros de principiante, Nelson aconselha a que os produtos sejam escolhidos conforme o espaço e a disponibilidade de cada um. “Ter uma horta dá trabalho e requer algum compromisso”, lembra.
Plantar cogumelos em borras de café
Foi depois de ter lido um artigo científico sobre o cultivo de cogumelos em resíduos produzidos pela indústria de café que João Cavaleiro teve a sua ideia de negócio: cultivar cogumelos em sacos com borra de café. Assim nasceu o Eco Gumelo, que além de potenciar um cultivo fácil não usa aditivos nem conservantes. A técnica é simples: cortar a embalagem pelo picotado, colocá-la numa zona da casa com luz. Depois seguem-se dez dias em que são necessárias duas borrifadelas de água diárias. Cumprindo os requisitos, chega a hora de ver os cogumelos crescer.
Adoptar um agricultor
O sucesso do jogo Farmville fez perceber a vontade do contacto com a agricultura. Neste caso, em vez de dedicar horas de trabalho a uma horta virtual, o projecto My Farm pretende fazer do jogo uma interacção real entre agricultor e cliente. Através de uma plataforma digital, o utilizador escolhe o tamanho da horta e os produtos e as quantidades que deseja, mas é o agricultor que implementa a horta no terreno. Pagando uma mensalidade, o utilizador tem acesso aos produtos que cresçam na área que lhe pertence, com a garantia de que lhe serão entregues na altura da colheita.
Legumes frescos à porta de casa
O maior cuidado com a alimentação e o regresso aos produtos biológicos fez crescer o mercado para quem produz legumes e fruta. Melhor que comprar no mercado só mesmo os produtos virem
ter a casa. A entrega de cabazes ao domicílio funciona normalmente por área geográfica, até para que a frescura dos alimentos seja garantida. Os legumes e a fruta vão variando ao longo do ano e existem cabazes para todos os gostos, preços e tamanhos. O Horta à Porta funciona na região do Porto e tem cabazes a partir dos 10 euros com 4 produtos até aos 27 euros com 12 produtos.
A horta que cabe em qualquer lado
A Minigarden uma empresa internacional, em Hong Kong tem um muro de plantações de sete metros de altura no Sha Tin Park, um dos maiores jardins da cidade. Em Portugal, centra-se nos cultivos mais pequenos, até porque a empresa garante que em menos de meio metro quadrado de chão é possível ter mais de 200 plantas. O truque está na instalação em altura, que permite criar espaços verdes, verticais, cantos, de esquina, horizontais ou mistos, com diferentes dimensões. Além de a horta se montar como um puzzle, vem ainda com um sistema de rega incorporado.
Criar vida em sacos e caixinhas
Há quem não tenha espaço para uma horta, mesmo pequena, nem tão-pouco tenha varanda em casa. Para esses casos, um casal de Famalicão criou a hipótese de fazer os produtos crescer dentro de sacos ou caixinhas. O projecto Life in a Bag disponibiliza produtos que permitem criar uma horta de ervas aromáticas e pequenos vegetais biológicos dentro de casa. Por 25 euros pode comprar-se uma caixa com um trio de rúcula, brócolos e rabanetes ou escolher apenas um destes produtos. Nos sacos é possível escolher, por exemplo, entre salsa, coentros, manjericão e rúcula.
Trazer as hortas para a cidade
Plantações de cenoura, alface e tomate paredes meias com a passagem de uma auto--estrada passaram a ser cenário comum nas cidades. No início do ano, Lisboa tinha mais de 70 mil hortas urbanas e este número não pára de crescer, até porque a câmara municipal abriu concurso para 42 novos talhões de cultivo. Estas hortas foram nascendo de improviso mas actualmente são encaradas pelas autarquias como uma forma de intervenção ao nível da sustentabilidade do meio ambiente, por possibilitarem a proliferação dos espaços verdes e a renovação da paisagem.
Bê-á-bá da agricultura
O que plantar segundo a época do ano
Na primavera-verão aconselha-se a plantação de culturas de fruta, porque precisam de mais luz, temperaturas altas e menos precipitação
- Tomate
- Pimentos
- Pepino
No outono-inverno
Deve optar-se por culturas de folha, porque suportam mal as temperaturas altas e precisam de mais água
- Espinafres
- Acelgas
- Couves
O que plantar segundo o espaço
- Numa varanda, deve optar-se por ter produtos que se consome em pequena quantidade como a salsa, coentros ou hortelã
- Com um pouco mais de espaço é possível optar pela alface, alho francês, beterraba e espinafres
- Com um espaço de 3 ou 4 m2 já se pode optar por produtos maiores, mas que, mesmo assim, não ocupem muito espaço como a curgete ou tomate
Dicas
- A semente deve ser enterrada a uma profundidade nunca superior a três vezes o seu tamanho
- No caso da plantação, é indispensável assegurar o espaço necessário para o crescimento da planta e das raízes
- A rega depende da observação diária. Mexendo na terra é possível ver o nível de humidade
- Não usar água da torneira para a rega. O cloro vai salinizar a terra e impedir que a água seja absorvida. Dar preferência a água da fonte ou da chuva
- É possível evitar pragas sem usar produtos químicos. Uma das opções é fazer extractos de plantas como as urtigas, por exemplo. Coloca-se a planta em água durante um dia e esse líquido serve para pulverizar e repelir os insectos.
- É preciso saber escolher o que plantar lado a lado. Por exemplo, o tomilho junto às couves evita o aparecimento de lagartas e o alecrim junto às cenouras afasta as moscas