publicado a: 2019-01-19

Palmeirim d’Inglaterra, primos a fazer vinhos em Trás-os-Montes

Esta é a história de um vinho que nasce da vontade de três primos – Ricardo Sá Fernandes, Isabel Sarmento e João Moraes Sarmento – de darem uma nova razão de ser às três propriedades que têm em Trás-os-Montes. “A minha quinta é do início do século XVII, durante muito tempo as nossas famílias viveram daquilo, mas no início do século XX isso deixou de existir”, conta Ricardo Sá Fernandes durante um almoço, em Lisboa, para a apresentação dos vinhos Palmeirim d’Inglaterra. “As famílias foram para o Porto e as quintas passaram a ser entregues a rendeiros, foram-se degradando, a agricultura não dava nada. Chegam à minha geração e a casa pertence a 48 pessoas. Uma coisa que pertence a 48 pessoas não é de ninguém.”

Ricardo começou “a achar graça” e foi comprando as partes dos outros familiares. Depois juntou-se a Isabel e João e, com as vinhas das três propriedades, decidiram fazer vinho. Foram buscar dois enólogos, Rui Cunha e Sérgio Alves, e desenvolveram o projecto, iniciado em 2013. “Quando tivemos que dar o nome ao vinho, vimos num livro sobre genealogias transmontanas que o autor de Palmeirim d’Inglaterra, romance do século XVI [sobre o qual Miguel Cervantes terá dito “De por si es muy bueno”, frase que adoptaram], foi um transmontano chamado Francisco de Moraes, que era nosso antepassado.”

Estava encontrado o nome, numa homenagem que, “juntando a literatura e o vinho, enobrece ambas as artes”. Com rótulo desenhado por Augusto Cid, o vinho “tem muito a ver com a história da região", das famílias dos três primos "e com a luta de sobrevivência para manter aquelas quintas”, resume Ricardo.

Cada sócio tem a sua equipa agrícola na respectiva propriedade. Sérgio Alves vai gerindo os tratamentos, as podas, e, na altura da vindima, reúnem-se todos para tomar decisões. Rui Cunha gosta da liberdade que existe no projecto: “Não temos nenhuma pressão – o que é de louvar – de, em cada ano, termos que usar o mesmo número de quilos de cada sócio. Escolhemos o que queremos.”

As três propriedades – situadas na sub-região de Chaves, entre os vales do Tâmega e da Ribeira de Oura, nas freguesias de Oura, Selhariz, Faiões e Vila Verde da Raia – têm diferentes características. “Na da Isabel o solo é 100% xisto, na do João é granito, sendo que a vinha do branco é um granito de textura super-arenosa, paupérrimo, e o Ricardo tem granito e aluvião”, descreve Rui. Também os climas são distintos, assim como as altitudes a que se encontram as vinhas, embora esta seja tradicionalmente uma zona de clima seco, muito fria no Inverno e muito quente no Verão.

Fazer vinho em Trás-os-Montes é um duplo desafio. “Estamos sempre a falar de vindimas muito mais tardias quando comparamos com o Douro”, explica ainda o enólogo. “Quando o Douro acaba [a vindima de] brancos e tintos, aqui estamos a começar com os primeiros tintos. E já sabemos que há anos em que podemos não engarrafar os tintos, mas isso é a região. Por outro lado, dá-nos vinhos típicos de Trás-os-Montes, com uma acidez muito elevada, muito frescos, muito elegantes, mas que precisam de tempo. Se recuarmos para o passado, Trás-os-Montes foi sempre conhecida por ter grandes tintos, mas que se bebiam velhos.”

Já os brancos Palmeirim d’Inglaterra (e o rosé, feito pela primeira vez em 2016, por insistência de Rui) estão prontos para ser bebidos – são, aliás, a maior aposta dos três primos, que, nesta fase de arranque, estão a fazer 5000 garrafas de branco (Arinto, Malvasia Fina, Roupeiro, Moscatel Galego Branco para os vinhos entre 2013 e 2016 e Códega do Larinho e Moscatel Galego para o de 2017), 3500 de tinto (Tinta Roriz, Tinta Barroca, Alicante Bouschet e Touriga Nacional, existe para já o 2016 e o Reserva 2015) e 1500 de rosé (Touriga Nacional, Tinta Roriz e Touriga Franca). Rui justifica a sua aposta no rosé: “Sendo este um projecto de vinhos sérios e puros, elegantes, é muito mais fácil fazer este tipo de rosé em granito numa quota alta do que em xisto ao pé do Douro.”

O segundo desafio é levar os consumidores a pedir um vinho de Trás-os-Montes ou os restaurantes a destacá-lo numa carta. “Numa carta de vinhos clássica, a região nem aparece”, lamenta Rui. “Se se fizessem cartas por estilos seria muito mais fácil, até para os turistas.” Por isso, é preciso fazer muita divulgação, dar a provar, apresentá-lo nos restaurantes (no site existe uma lista das garrafeiras e dos restaurantes onde se pode encontrar).

Mas Ricardo acredita que a região tem outro trunfo: “Trás-os-Montes só sobrevive se conseguir ganhar focos de interesse, de atracção. A parte cultural é a parte forte. Eu gostaria, eventualmente, de ligar as quintas a projectos de enoturismo. Tenho uma ideia, que ainda está muito no começo, de fazer rotas de casas de alguma forma ligadas a episódios das invasões francesas."

O objectivo, garantem os três primos, não é enriquecerem com o negócio do vinho. É, sim, “garantir que estas propriedades, que estão na posse das famílias há muitos anos, sejam auto-sustentáveis”. Quanto ao vinho, a esperança é que, nascido para ajudar um território, se torne, ele próprio, uma razão para que mais gente descubra as histórias que Trás-os-Montes guarda há séculos.

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