Já chegou a rede social para os agricultores
Esta rede social tem como objetivo unir um vasto número de pessoas e servir como ponto de encontro e interação para eles. Eles, quem? São pequenos e médios agricultores ao redor do mundo, que desde dezembro têm uma plataforma de internet gratuita para avaliar e apresentar o seu produto e entrar em contacto com potenciais clientes.
Falamos do Blue Number, uma iniciativa do Programa de Agricultura Integrada e Sustentável das Nações Unidas e outras agências que buscam melhorar as cadeias de alimentação do mundo e que os agricultores e proprietários de pequenas empresas agrícolas acedam a elas mais facilmente. A maneira de fazer isso é através de uma identificação única para qualquer pessoa ou empresa que contribui para esta cadeia. "Vamos dar a todos que solicitam um número de identificação" ilustra numa entrevista em Nova York, Arantxa González, diretora executiva do Centro de Comércio Internacional (ITC), uma das organizações envolvidas na criação desta plataforma. "Todos os agricultores podem ser conectados num sistema, uma super rede social que vai compartilhar informações como o nome do produtor, a localização da exploração, os produtos ou serviços produzidos, se os pode exportar, fotos, etc“.
Hoje somos sete bilhões de pessoas no mundo, mas em 2050 é esperado que este número aumente para nove bilhões. Para alimentar toda a população, a produção de alimento terá que aumentar 70% refere a FAO (Food and Agriculture Organization of the United Nations). Mas o planeta sofre de exploração excessiva dos recursos e qualquer aumento das matérias-primas deve ser feito com cuidado; disso depende a segurança alimentar dos seres humanos. Terá de ser ampliada em 120% a área cultivável nos países em desenvolvimento, porque todas as previsões indicam que em países desenvolvidos, será reduzida em 50 milhões de hectares, segundo a mesma entidade. O acesso à água também é preocupante porque prevê-se um incremento do consumo em 11% até 2050 e a sua distribuição desigual fará com que a escassez atinja níveis alarmantes no Médio Oriente, Norte da África e Sul da Ásia. As alterações nos padrões de precipitação causados pelas alterações climáticas poderão agravar o cenário.
A segurança alimentar da população mundial passa por melhorar os meios de vida e de trabalho dos pequenos agricultores, a respeitar a biodiversidade e os ecossistemas de todo o mundo e não desperdiçar tantos alimentos. Estes objetivos estão incluídos em um dos pesos pesados dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS), que marcam a agenda de desenvolvimento global até 2030: o nº 2, que visa acabar com a fome. “Conseguiremos quando começarmos a tratar seriamente do mundo rural e a sermos capaz de conectar melhor a oferta com a procura, pois a fome é em grande parte uma questão de incompatibilidade entre os dois" afirma González. Não é uma situação para produzir mais, mas para distribuir melhor. "O que acontece é que a produção não atinge muitos lugares e é desperdiçada naqueles a que ela chega."
A plataforma teve início em dezembro de 2015 e os primeiros países a tentar são Malásia e Vietnam, onde será oferecida a 67.000 agricultores. O método de operação é o seguinte: os produtores agrícolas e pecuários registam-se e inserem as informações que considerem relevantes. Eles também podem escolher com quem as partilhar. A partir daí começam a interagir.
"Mas não é só o suficiente para produzir; a matéria-prima devem ser de qualidade e quanto melhor for, maior será o valor acrescentado do produto ", diz Gonzalez. Por esta razão, uma das ferramentas que estará disponível na plataforma servirá para permitir que os membros a consultar as certificações de qualidade dos seus produtos. Esta é uma comparação de mais de 180 padrões de sustentabilidade e códigos de conduta aplicáveis ao sector agrícola, que servem para certificar que os seus titulares estão a cumprir um conjunto de princípios éticos que vão desde a garantia de qualidade, à denominação de origem, e às regras de comércio justo e respeito pelos direitos dos trabalhadores.
Depois de concluído todo o processo, será possível para os agricultores ganhar maior visibilidade na cadeia alimentar e reunir todas as partes envolvidas na produção de alimentos. Em qualquer caso, o tamanho importa; a única exigência é que a empresa tenha matéria-prima para o comércio, que não é apenas de subsistência. Gonzalez dá um exemplo: "No Brasil, conheci há algumas semanas uma rapariga jovem que tem uma empresa de transformação de cacau em chocolate de qualidade; é fornecida por muitos pequenos produtores, não é uma questão de volume. Pode ser muito pequena, mas será uma cadeia de valor. basta que vendam alguma coisa e queiram conectar-se a um mercado".
Também será possível conhecer a rastreabilidade dos produtos, uma informação obrigatória para o consumidor ou para os responsáveis de grandes empresas. "Se é uma multinacional como a Unilever ou a Nestlé, um dos seus maiores problemas é ter certeza de que conhece todos os seus fornecedores e, se houver um problema, saber identifica-lo sem quebrar toda a cadeia", diz Gonzalez. Quando a rede Blue Number funcionar a cem por cento, também é possível que um comprador anónimo de uma cidade europeia saiba, por exemplo, de onde vem a laranja que está a adquirir. "Um dos grandes problemas do capitalismo de mercado é o desequilíbrio entre o consumidor e o produtor. O consumidor não está ciente do seu poder e não o usa", critica Gonzalez. "Eu, como consumidor, informo-me das frutas que compro e não escolho uma qualquer."
Não se vai acabar com a fome com um Blue Number, mas, de acordo com Gonzalez, a tecnologia em si é uma boa maneira de começar a resolver um dos problemas que impedem que essa utopia se transforme em realidade: Trata-se de dar voz a milhões de pessoas que serão fundamentais na criação de uma ponte mais eficaz entre oferta e procura. "Entre o que chamamos de pequenos agricultores existem taxas muito elevadas de pobreza; é uma parte da população com a qual temos de nos preocupar um pouco mais ", conclui o diretora-executiva do ITC.
Fonte: El País