Já se prefigura seca “terrível” para a agricultura no Alto Alentejo
Há 20 anos, a água potável que existia no planeta, por habitante, era “quatro vezes mais do que a que temos hoje” alertou, em Beja, o comissário europeu Carlos Moedas.
O que se previa há pouco mais de um mês, está a confirmar-se no Alto Alentejo. A região enfrenta um período de "seca terrível", reconheceu ao PÚBLICO, Fermelinda Carvalho, presidente da Associação Agricultores do Distrito de Portalegre (AADP).
No último Inverno, a precipitação foi diminuta e as culturas arvenses de Outono/Inverno foram irremediavelmente afectadas. “Os agricultores semearam na expectativa de que chovesse”. Mas a precipitação acabou por ser muito escassa e agora “as searas estão muito curtas e por isso não vai haver palha nem grão”. Já se antecipa uma produção cerealífera “muito baixa” descreve a presidente da AAPD, dando ainda conta do que está a suceder ao pasto que resta: no período estival, o aumento do calor vai deixar nos prados um alimento “sem qualidade” para o gado.
Nestas circunstâncias, a realidade, a curto prazo, pode ser dramática. A possibilidade de alimentar os animais à mão com forragens e palhas é tida como muito provável, dada a escassez de alimento na região, mas a sua aquisição pode atingir valores proibitivos.
Os produtores pecuários temem ainda que a falta de água, que já é patente, venha a colocar em causa o abeberamento do gado. No campo das opções e colocados perante situações extremas, os agricultores “preferem não cultivar as terras adeixar o gado sem água”, vinca Fermelinda Carvalho, igualmente preocupada com a falta de humidade no solo, circunstância que “potencia a deflagração de incêndios”, impedindo os agricultores de fazer as searas de Primavera/Verão.
As consequências da ausência de chuva, no norte alentejano, vão além do cenário já descrito: “as barragens e charcas particulares estão sem água e os furos artesianos “não rebentam” ou seja, estão secos”, observa a dirigente associativa.
Nas circunstâncias actuais salvaguardam-se, até ver, as explorações agrícolas que recebem água das barragens públicas, como a do Caia, por armazenar alguma água. No entanto, as barragens do Xévora e Abrilongo apresentam baixos níveis de armazenamento, obrigando a limitar o fornecimento de água para os regadios.
Fermelinda Carvalho constata que “há 20 anos havia um ano mau de tempos a tempos” mas, ao longo da última década, “a maioria dos anos foram maus” em termos de escassez de água e de temperaturas
Ao contrário do que se possa pensar, a água do Alqueva “não chega ao Alto Alentejo”, lamenta a presidente da associação de agricultores, advogando a construção de mais reservas de água na região para contrariar os efeitos “dramáticos” associados às alterações climáticas que, na sua opinião, “são um facto incontornável”.
Na sua mais recente deslocação a Beja, em meados de Maio, o comissário europeu Carlos Moedas, responsável pelas pastas da Investigação, Ciência e Inovação, destacou dois temas “importantes para o futuro”: Alimentação e água. “Como vamos resolver o problema da água, que é dos mais complexos que temos à nossa frente” é o desafio que a União Europeu vai enfrentar, sobretudo nos países mediterrânicos, realçou Carlos Moedas, explicando que “há 20 anos, a água potável que existia no planeta, por habitante, era quatro vezes mais da que existe hoje”.
Assim, os Governos de Portugal e Espanha vão dar corpo ao projecto PRIMA que envolve um investimento de 400 milhões de euros (a União Europeia vai disponibilizar 220 milhões de euros), para desenvolver tecnologia e inovação nas áreas da produção agro-alimentar e da água.
“Se não resolvermos os temas da água e da alimentação no futuro vamos ter um dos maiores problemas que a humanidade pode enfrentar, ou então como diz Stephen Hawking, vamos ter que descobrir outros planetas para viver, dentro de 100 anos” alertou o comissário europeu.
A AADP já enviou um ofício ao ministro da Agricultura, Capoulas Santos, a inteirá-lo do que se passa no distrito de Portalegre. “Não pretendemos a concessão de subsídios”, sublinha Fermelinda Carvalho, frisando que os agricultores pretendem apenas a abertura de programas no PDR 2020, que possibilitem a “abertura de furos e a aquisição de equipamentos para assegurar o abeberamento do gado”. E, sobretudo, que a comissão de seca já anunciada por Capoulas Santos “dê resposta rápida aos problemas que já existem”, apela a presidente da AADP, uma associação de que fazem parte 3800 agricultores do distrito de Portalegre e ainda dos concelhos de Vila Velha de Ródão, Idanha-a-Nova e Penamacor, no distrito de Castelo Branco.
Fonte: Público