Sabe o que são os citrinos ancestrais?
Vera e João Rosado têm hoje perto de 100 variedades de Citrinos Antigos, produzidos numa quinta no centro da Amareleja. Quase todas são provenientes do Japão e da Ásia e fazem as delícias dos Chefs em Portugal e França. “Os citrinos são realmente uma paixão para nós e é com enorme prazer que os produzimos e nos é possível atingir altos padrões de qualidade”, diz-nos a Vera. Provámos vários frutos e a diferença entre cada um é surpreendente: uma festa de sabor, com diferentes tipos e níveis de acidez e doçura.
Um artigo da VIDA RURAL
O casal de engenheiros (ela do ambiente e ele agrónomo) queria sair de Lisboa e dedicar-se à agricultura. João Rosado é da zona da Amareleja mas não tinha terreno. “Procurámos e encontrámos esta quinta, o que foi uma sorte”, conta a Vera, “pois é mesmo no centro da vila, o que é muito bom, principalmente, para os miúdos”. Descemos uma rua com casas de um lado e de outro, entramos num portão com um muro alto e lá está a quinta, com cerca de 15 hectares – 13 de olival tradicional e dois para os citrinos – “por agora ocupam pouco mais de um hectare mas no próximo ano vamos continuar a estender a plantação de citrinos com reforço de algumas variedades e outras novas”, explica o João.
As ervas aromáticas foram a primeira ideia e num seminário dedicado a essa cultura, conheceram Jean-Paul Brigand que lhes deu a cheirar uma folha de Kumquat, Vera apaixonou-se logo e quando visitaram o ‘jardim’ do francês e da mulher Anne Kenny, perto do Cercal do Alentejo, decidiram logo ali que se queriam dedicar aos Citrinos Ancestrais.
Foi há dez anos, tinha o filho apenas três. Hoje têm mais duas meninas e perto de 100 variedades de Citrinos Ancestrais. “Os citrinos são realmente uma paixão para nós e é com enorme prazer que os produzimos e nos é possível atingir altos padrões de qualidade, confirmados por especialistas japoneses, o que é para nós muito gratificante”, diz Vera Rosado à VIDA RURAL.
Destino é Portugal e França
A quantidade não é muita, uma vez que têm cerca de uma dezena de árvores de cada variedade – mais de Yuzu (cerca de 80), que é o preferido, e de Lima Kaffir (cerca de 50) –, a aposta é na elevada qualidade, valorizando ainda mais o produto que se destina quase exclusivamente à Alta Cozinha. “Vendemos os citrinos para Chefs em Portugal e alguns também em França e enviamos igualmente alguns frutos e folhas, para Gin, para o Reino Unido”, diz Vera.
A agricultora explica que “estas variedades são muito mais antigas que os ‘tradicionais’ limões, por isso são chamadas de Ancestrais e a grande maioria são provenientes do Japão e de outros países asiáticos”. O que é fácil de perceber logo nos nomes como Yuzu, Kumquat, Mishokan, entre outros. Mas também há variedades com nomes ocidentais, como Limão (vários tipos), Laranja (idem) e Toranja.
Enquanto andamos pelo pomar rodeados pelos enormes Rafeiros Alentejanos e vários gatos brancos (uns com olhos verdes, outros azuis e outros… com um olho de cada cor), Vera vai explicando as características de cada variedade e João corta os frutos, que estão em fase comestível, e vai-nos dando a provar avisando: “atenção que este é muito ácido” ou “este tem umas perolazinhas que se desfazem na boca, por isso se chama Limão Caviar [originário da Austrália], e também tem uma acidez muito característica”.
Vera e João explicam-nos também que nestes frutos nem sempre a polpa é valorizada: “em alguns, como o Yuzu, a casca é muito aromática e por isso temos de a preservar bem e há outros em que o que se come é parte branca interior, como a Cedrat pêra”.
Citrinos quase todo o ano
Vera fez-nos um calendário de produção e só em junho e julho não há citrinos (Ver Caixa), mas claro que ressalva que “estas épocas de início de produção não são estanques, são meramente indicativas, e estão fortemente condicionadas com fatores climáticos, em alguns anos temos surpresas de antecipação de frutos e atraso noutros”.
A procura de novas variedades é constante, conta João, salientando que “habituámos ‘mal’ os Chefs que agora nos estão sempre a perguntar o que temos de novo, por isso vamos colocando novas variedades, do mundo inteiro, e enviamos para eles provarem”.
Sobre o facto de o clima da Amareleja ser muito quente e seco quando na Ásia, por exemplo, sobressai a humidade, João destaca que “a rega é fundamental, temos de lhes dar muita água, bem mais que o olival” e Vera salienta que “em algumas variedades temos de proteger os frutos do Sol para evitar o escaldão”, mostrando em árvores de Yuzu ‘meias’ especiais, rosa ou pretas, que vêm do Japão.
Perguntámos se a produção era em Modo Biológico e Vera diz que tentaram no início, “mas fomos logo atacados por um fungo e várias árvores morreram, por isso não é, o objetivo é esse só que temos de ir adaptando as variedades às nossas condições edafoclimáticas para caminharmos nesse sentido”, salientando: “mas usamos outras plantas para combater insetos e pragas, só tratamos o estritamente necessário, além de também adubarmos as árvores”.
Todos diferentes… todos diferentes
Vera e João vão-nos surpreendendo ao longo do pomar com formas e necessidades e usos diferentes de cada um: “por exemplo o Hirado Buntan Pomelo precisa de maturar depois de colhido, durante dois a três meses num local seco e fresco”, mesmo ‘à japonês’, tudo com o seu tempo e muita paciência, dizemos todos sorrindo.
“Na Lima kaffir é valorizada a casca, para sobremesas lácteas, como leite-creme ou arroz doce, porque dá um sabor muito mais intenso e aromático que o limão comum, mas na Tailândia usam as folhas para fazer Gin e nós vendemos para o Reino Unido, para isso”.
Já o Mishokan, que parece uma laranja por fora, fica na árvore quase um ano e meio: “floresce na primavera e o fruto só é apanhado no final da primavera seguinte”, revela Vera.
Todas as operações culturais são feitas pelo casal com a ajuda de apenas um colaborador.
Para a comercialização, “avisamos os Chefs do que vamos ter com algum tempo de antecedência para eles poderem encomendar e enviamos por transportadora”, conta-nos a Vera.
Como a produção ainda é pequena, o casal começou também a produzir abóboras japonesas, também para os Chefs e mantém algumas atividades paralelas: “o João faz projetos de investimento e aconselhamento agrícola e eu dou alguma formação também na área agrícola e de segurança contra incêndios”.
Azeite Bio aromatizado com citrinos
O olival tradicional, esse sim está em Modo de Produção Biológico, foi recuperado e tem rega, que também vem da charca e da estação de bombagem que construíram. O azeite Virgem Extra que produzem vai todo para exportação, principalmente para a Suíça, com a marca Samuri, e “há uma pequena parte que é aromatizado com Yuzu e Cedrat mão de Buda. Estive ontem e hoje de manhã a fazer precisamente esse azeite no lagar, em Ficalho, onde fazemos o nosso azeite, moendo os frutos frescos em conjunto com a azeitona”, relata João Rosado.
A Galega ocupa cerca de 80% do olival, sendo o restante de Cobrançosa, Cordovil e Verdeal.
O olival já tem vários anos mas as primeiras 70 árvores de dez variedades de Citrinos Ancestrais têm apenas sete anos, depois de dois anos de experimentação. Depois há outras árvores com cinco anos e as mais recentes têm dois, “nenhuma está em plena produção”. Por isso a produção ainda é muito pequena: cerca de 350kg de Yuzu e 200Kg de Lima kaffir, porque as árvores adultas, com 25/30 anos, é que já dão cerca de 40kg cada. E João acrescenta que “são frutos muito valiosos por isso a qualidade tem de ser muito elevada, numa árvore que produz 10kg aproveitamos talvez 30%, por isso decidimos começar a aproveitar o resto, por exemplo para aromatizar o azeite”.
O agricultor adianta que “apesar da diferença de clima, com a rega eliminamos em cerca de 90% a safra e contrassafra e também analisamos os parâmetros de fertilização com base em análises de solo e foliares, mas como as variedades são muito diferentes umas das outras não é fácil fazer tudo através de fertirrega, temos de atuar ao nível de cada indivíduo com fertilização foliar”.